sábado, 19 de fevereiro de 2011

Considerações finais sobre o raciocínio sistêmico



Estas considerações finais focalizam o que eu vejo como as principais causas de dificuldades para a percepção do raciocínio sistêmico.
Juntei duas passagens de A Quinta Disciplina, citadas na postagem O Raciocínio Sistêmico, e obtive algo que pode explicar duas causas.
“As ações inter-relacionadas de um sistema são amarradas por fios invisíveis que levam algum tempo para desenvolver plenamente os efeitos que uma exerce sobre as outras. Apesar das ações estarem interligadas e de cada uma delas influenciar todas as outras, elas são distantes no tempo e no espaço, o que faz com que a influência geralmente não se encontre ao alcance da vista.”
Em uma sociedade assolada pelo imediatismo e pelo voyeurismo – ligada 24 horas por dia no BBB -, algo amarrado por fios invisíveis, que leva algum tempo para surtir efeito e não se encontra ao alcance da vista, é difícil de ser percebido. Portanto, vejo o imediatismo e o voyeurismo como duas causas.
Outra causa pode ser o grande valor dado às especializações. O que é especialização? É concentrar toda a atenção na parte em detrimento da atenção ao todo. É necessário dizer mais alguma coisa sobre esta causa?
Outra passagem de A Quinta Disciplina, citada na postagem O Raciocínio Sistêmico, ajuda a identificar mais uma causa.
“Embora os instrumentos sejam novos, a ideologia subjacente é extremamente intuitiva, experiências com crianças de pouca idade demonstram que elas aprendem o raciocínio sistêmico com muita rapidez.”
Intuição é uma daquelas coisas com as quais nascemos, mas que vamos perdendo à medida que crescemos – em tamanho. Crianças de pouca idade aprendem o raciocínio sistêmico com muita rapidez porque ainda são intuitivas. Não viveram por tempo suficiente para ter a intuição anulada pela programação. Mas este tempo é a cada dia menor. Considero intuição e programação coisas incompatíveis e explico por quê.
Intuição é perceber algo sem interferência ou sugestão de alguém. Programação é perceber conforme alguém diz como deve ser percebido. E mais: agir de acordo com a percepção que lhe foi sugerida, ou quase imposta, pois é passada como sendo a percepção da maioria. E segundo a opinião do “filósofo” Carlos Alberto Parreira – com a qual concordo -, a maioria não percebe nada. Em uma entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em 1994, após a conquista do tetracampeonato mundial, indagado sobre como se sentia ao ser chamado de burro pelos torcedores, ele deu a brilhante resposta mostrada abaixo:
“Era para eu ter ficado abatido, mas criei forças interiores. Continuo afirmando: a população é uma caixa de ressonância sem opinião própria, reflete o que ouve. O cara vai ao Maracanã, está vendo o jogo, mas fica com o radinho de pilha na orelha. É importante que alguém diga a ele o que ele está vendo. Ele não tem condições de analisar, acha que o Flamengo está jogando bem porque o rádio está dizendo.”
Quem não tem opinião é facilmente programado. E falar em ser programado me lembra um rap de Gabriel O Pensador intitulado Até Quando?, do qual copiei o seguinte trecho:
“A programação existe pra manter você na frente
Na frente da TV,
Que é pra te entreter
Que é pra você não ver que programado é você”
Realmente, no raciocínio sistêmico, apenas os instrumentos são novos, pois sendo extremamente intuitiva a ideologia subjacente já é conhecida há bastante tempo, conforme demonstram os dois exemplos abaixo:
O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha ’ (Marco Aurélio, há mais de 1800 anos.)
‘Todas as coisas estão ligadas. (...) Não foi o homem que teceu a rede da vida; ele é apenas um fio nessa trama. O que ele fizer a esse tecido, estará fazendo a si próprio.’ (Cacique Seattle, em 10 de janeiro de 1854.)”
Alguém duvida que esses dois personagens históricos conheciam o raciocínio sistêmico?
Cada época tem suas vantagens e desvantagens e creio que uma das vantagens das épocas de Marco Aurélio e do Cacique Seattle tenha sido o fato de a intuição ainda não ter sido prejudicada pela programação. Eles não eram programados. Aliás, o Cacique Seattle tinha o seu próprio programa. Um programa de índio. Um programa em conformidade com coisas que hoje são denominadas consciência ambiental e desenvolvimento sustentável. E há quem chame um programa ruim de programa de índio!
Aproximando-se o final destas considerações, copiei mais alguns trechos do rap de Gabriel O Pensador.
“Até quando você vai ficar usando rédea
Rindo da própria tragédia?
Até quando você vai ficar usando rédea?”
Até aceitar o convite feito por Gabriel O Pensador que, como demonstra o final de seu rap, pensa com raciocínio sistêmico.
“Muda, muda essa postura
Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente
Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura
Na mudança de postura a gente fica mais seguro
Na mudança do presente a gente molda o futuro”
E mudar o presente para moldar o futuro passa pela mudança na maneira de raciocinar.
O raciocínio sistêmico é simplesmente fantástico. Ele possibilita mostrar que as ideias de um engenheiro formado na Universidade de Stanford e professor sênior no MIT (Massachusetts Institute of Technology), de um rapper e compositor e de um cacique índio estão interligadas. Que tal ler a Carta do Cacique Seattle (uma verdadeira aula sobre consciência ambiental e desenvolvimento sustentável, coisas sobre as quais muito se fala, mas pouco se pratica)? E ouvir o rap de Gabriel O Pensador? Pensem nas sugestões. O rap vocês poderão ouvir e ver no YouTube. A carta, vocês poderão ler em uma próxima postagem.

2 comentários:

Michelito disse...

Guedes,
Parabéns pelo blog e pelos posts, suas postagens são sensacionais. Tenho certeza que você está fazendo a sua parte, mas não tenho condições de afirmar que você é o centésimo macaco, mas para mim você é um forte candidato.
Para mim a falta de raciocínio sistêmico ocorre pela falta de cultura e educação.
A cultura e a educação estão sendo popularizadas, mas está banalizada e com pouca qualidade.
Na cultura em relação a música, filmes e programas de televisão e teatro, vemos que não existe a idéia de informar e formar opinião e sim desinformar e divertir.
Na educação a situação ainda é mais grave, os pais dizem que a escola é que tem que educar seus filhos, pois eles precisam trabalhar e as escolas não estão adaptadas para formar pessoas e sim profissionais, aqueles citados na sua postagem.
Pode contar comigo, estamos juntos nessa.
Vou terminar com uma frase de um livro que você me deu: Para mudar não basta querer é preciso agir.

Guedes disse...

Macaco Michel,

Obrigado pelos parabéns. Creio que nós dois estamos fazendo a nossa parte, mas com certeza eu não sou o centésimo macaco e você também não, pois se um de nós fosse o mundo já teria mudado para melhor. Citei algumas causas do desconhecimento do raciocínio sistêmico e você cita outras: a cultura e a educação. A educação foi terceirizada e entregue a profissionais, e estes, geralmente, interessam-se apenas em formar (ou seria formatar?) outros profissionais e não em desenvolver pessoas e construir seres humanos. A cultura busca desinformar e distrair. Vivemos na sociedade da distração. Somos tão distraídos que não percebemos o que é necessário para "mudar" o que "queremos". O meu comentário termina com a mesma frase que encerra o seu: “Para mudar não basta querer é preciso agir”.

Um abraço,
Guedes,