segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A maior ironia

Enquanto eu redigia o texto Consequências do desconhecimento do raciocínio sistêmico, a edição de 16 de fevereiro da revista Veja publicava mais um brilhante texto de Lya Luft, intitulado A maior ironia, no qual são ditas coisas como:

“(...) temos gente saindo das universidades quase sem saber coordenar pensamentos e expressá-los por escrito, ou melhor: sem saber o que pensar das coisas, desinformados e desinteressados de quase tudo.

(...) acredito que os que ainda quiserem pensar, estudar, descobrir, inventar, pintar, dançar, cantar ou escrever vão viver numa espécie de ilha. Talvez em universidades tradicionais ou ultra-adiantadas, ou no aconchego de bibliotecas em casa...

Já existem em países adiantados intelectuais, pensadores, pesquisadores, cientistas pagos simplesmente para pensar.”

Enquanto eu tento espalhar um modo de raciocinar, Lya Luft diz que tem gente saindo das universidades sem saber o que pensar das coisas. E que já existem em países adiantados pessoas que são pagas simplesmente para pensar. Ou seja, pensar passa a ser algo restrito a determinadas pessoas e não uma atribuição de todas. É ou não é a maior ironia? Bem feito! Quem manda viver em um país atrasado e pensar gratuitamente!

Mas em que pensam os pensadores remunerados? Eu, que penso gratuitamente – até porque, quando estava na ativa, percebi que superiores não gostam que subordinados pensem –, creio que eles pensam em como ferrar – para não usar um verbo mais contundente – aqueles aos quais Lya Luft se refere como desinformados e desinteressados de quase tudo.

Vocês já pararam para pensar e perceberam que pensar é uma das funções mais terceirizadas que existem? Talvez não, pois o ritmo frenético em que vivemos não nos permite parar. Nós vivemos correndo atrás. Atrás de quem pense por nós.

Lya Luft diz que já existem pessoas que são simplesmente pagas para pensar. Mas até mesmo quem é pago para pensar, se puder, terceiriza tal atividade. É o caso de muitos executivos. Pagos para solucionar os problemas da empresa, eles contratam consultores para pensar por eles.

Consultores que, por sua vez, estabelecem que tarefas não incluídas entre as atividades fim da empresa devem ser terceirizadas. E tome terceirização! Em doses cada vez maiores. Afinal, indicar a terceirização de tarefas é a atividade fim de profissionais de consultoria.

Mas deixemos de lado os executivos e verifiquemos a situação da grande maioria composta pelos executados. O que dizer da maneira como estes seres autodenominados inteligentes tratam a função de pensar? Será correto classificar como inteligentes seres que se eximem da função de pensar?

E que se eximindo da função de pensar aumentam a audiência de programas de TV. Chegam a pagar por ligações telefônicas na ilusão de contribuir para a eliminação de participantes de tais programas, sem perceber que os eliminados são eles. Eliminados da condição de seres pensantes e se sujeitando a colaborar com algo ou alguém disposto a fazer tudo em busca de audiência.


Em tempo: vale a pena ler o texto de Lya Luft, do qual peguei emprestado o título para esta postagem.

6 comentários:

Michelito disse...

Guedes,

Esse negócio de terceirizar o pensamento é assustador, imagine se um consultor desses "vender" a seguinte idéia: "Vamos substituir esses pensadores lentos e ultrapassados por máquinas".
Segue arquivo para reflexâo:
http://linoresende.jor.br/mais-espertos-que-os-homens
Eu não abro mão do meu direito de pensar.
Um abraço

Homerix disse...

Terceirizar pensamento é preguiça pura. Ultimamente, temos feito verdadeiras revoluções por aqui sem a contratação de quem pense por nós, os consultores. E é coisa também daqueles ocupados-por-profissão, que temos muito no mundo corporativo. Aqueles que não se dão ao luxo de perder DOIS minutos lendo um post como esse que você publicou. DOIS minutos que podem valer 1000 vezes mais em benefício futuro...

Na linha da má formação de nossos universitários, veja um post do meu blog, não exatamente por ele, mas pelos comentários que despertou, sobre valores, moral, ética, já na época da escolinha, da professorinha.
Em especial, atenção a um comentário de Esperantriz, que vem a ser minha filha.
http://blogdohomerix.blogspot.com/2011/02/educacao-praskbssa-sera.html

Guedes disse...

Amigo Michelito,
Após a leitura do post sugerido por você – “Mais espertos que os homens” -, digo o seguinte.
Sim, é assustadora a ideia de substituir pensadores por máquinas. Aliás, a necessidade que temos hoje é exatamente oposta: é substituir máquinas por pensadores. Você gosta de falar com aquelas máquinas (sic) que trabalham em call centers? Eu detesto! Houve algum equívoco (acredito mais em má intenção) no processo de criação de máquinas que imitem humanos e acabaram por criar humanos que imitam máquinas. Tenho dúvidas sobre quem é escravo de quem.
Capacidade de computar é uma coisa e capacidade de pensar é outra. Computadores não pensarão por eles próprios, pois seus pensamentos são criados por quem os programou. Portanto, os homens não serão dominados pelas máquinas e sim pelas intenções malignas de quem as criou.
Máquinas não são geradas espontaneamente e sim criadas por cérebros brilhantes – para o bem ou para o mal. Portanto elas não superarão os cérebros mais brilhantes, e sim apenas os cérebros foscos.
Inteligência ou burrice não são qualidades de máquinas e sim de quem as programa. Máquinas são programáveis. E pessoas também, pois como foi dito acima pessoas passaram a imitar máquinas. E isto configura o único caso em que máquinas devem ser chamadas de burras.
O post diz que “a tecnologia em si, não é boa nem má. O que a torna boa ou má não é a forma como que é aplicada”. Na minha opinião, o problema nem é a forma e sim a intenção com que a tecnologia é aplicada.
Mais espertos do que as pessoas não são as máquinas e sim os seres humanos, digo desumanos, que as criaram.
O que almejo é que nos conscientizemos de que dominar ou ser dominados pelas máquinas é algo que compete a nós decidir. E agir conforme a decisão que tomarmos. É nisto que consiste a verdadeira esperteza.
A exemplo de você, não abro mão do meu direito de pensar. Aliás, se fizer isto o que me diferenciará dos demais animais?
Nossa! Mais um comentário que se assemelha a uma postagem!
Abraços,
Guedes

Guedes disse...

Amigo Homerix,
É realmente especial o comentário feito pela Esperantriz (sua filha) sobre o seu post. Ralph Waldo Emerson dizia que inteligência vale muito, mas caráter é mais importante que o intelecto. A inteligência é neutra e cabe ao caráter decidir se ela será usada para o bem ou para o mal. Podemos formar cidadãos dispostos a melhorar a sociedade ou – como diz a Esperantriz – delinquentes inteligentes. Sua filha diz que vários corruptos tiveram educação superior. Acho estranha a expressão educação superior. Não seria melhor instrução superior? Em que – realmente - pessoas que passaram por ela ficaram superiores? Gosto muito de uma frase atribuída – se não me engano - a Sêneca que indaga: “De que adianta saber o que é uma linha reta, se não se sabe o que é retidão?” Os melhores professores não são os que ensinam a dar respostas certas ao que é perguntado e sim os que os ensinam a pensar e a fazer as perguntas certas que evidenciem os problemas que nos afetam para que possamos resolvê-los.
Repasse a sua filha os meus parabéns pelo brilhante comentário.
Abraços,
Guedes

Homerix disse...

Obrigado, Guedes!
Postei o seu comentário no meu post e vou dizer à minha filha que o leia.

Grandes citações você apôs.

Depois, dê uma passada no Calendário das Virtudes, que ela criou nessa linha, pena que pouco divulgado...
Visite
http://blogdohomerix.blogspot.com/2010/04/calendario-das-virtudes.html
Se achar merecdor, divulgue-o como achar melhor!
Grande abraço
Homerix

Guedes disse...

Amigo Homerix,

Não há o que agradecer.

Descobri mais uma semelhança entre nós. Temos filhas com nome Renata e com formação em jornalismo. A sua já escreveu um livro e a minha creio que ainda escreverá.

Visitei o seu blog e li o post sobre o site “Calendário das Virtudes”. Li também a entrevista concedida pela sua filha a uma jornalista da “Revista Profissão Mestre” que tornara-se umas das primeiras assinantes do site. Achei muito apropriado a entrevista ter sido publicada em uma reportagem intitulada “Ensinando a Viver”. Adorei a entrevista! Ela contém ideias maravilhosas e brevemente publicarei um post falando sobre elas. Afinal, o nome do meu blog é "Espalhando ideias" e as dela merecem ser espalhadas. Não sei se todos os visitadores do blog lêem os comentários, mas para aqueles que o fazem sugiro que visitem:

http://blogdohomerix.blogspot.com/2010/04/calendario-das-virtudes.html

e leiam a entrevista, pois não se arrependerão.

Você diz, no seu blog, que tem dois filhos. Já opinei sobre um comentário feito pela sua filha Esperantriz sobre um post do seu blog. Agora, leio uma entrevista da sua filha Renata. Pela afinidade entre o que é dito no comentário e na entrevista, suponho que a Esperantriz e a Renata sejam a mesma pessoa. Acertei? Senão, solicito que me esclareça, ok?

Também visitei o site “calendariodasvirtudes.ning.com”. Gostei muito do conteúdo do site, mas ainda não me inscrevi para participar do jogo.

Abraços,
Guedes