sexta-feira, 8 de julho de 2011

A competitividade nossa de todos os dias

A reportagem Competitividade na escola é criticada serviu de sugestão para focalizar a competitividade no âmbito geral. E para começar não encontrei nada melhor do que a afirmação de Humberto Maturana, doutor em alguns ramos da biologia, transcrita abaixo:
“Não existe competição sadia. A competição é um fenômeno cultural e humano e não constituinte do biológico”.
Afirmação com a qual parece concordar a antropóloga Margaret Mead. É do livro Vencendo a competição, de Terry Orlick, o seguinte trecho:
“Depois de ter analisado muitas sociedades diferentes, a antropóloga Margaret Mead concluiu que o cooperativismo em uma sociedade não depende do ambiente físico, do desenvolvimento tecnológico ou do suprimento real dos bens desejados. É a estrutura social que determina se os membros dessa sociedade irão cooperar ou competir entre si. Os objetivos pelos quais os indivíduos trabalharão, bem como os meios que utilizarão para atingi-los, são determinados culturalmente.”
São também de Vencendo a competição as passagens abaixo.
“A proposição de que o homem industrializado compete instintivamente com seus semelhantes, e que a competição é essencial para a sobrevivência humana, parece ser um mito que se autoperpetuou. Não existe qualquer evidência de um impulso biologicamente herdado para a competição, que prejudique o organismo caso seja ignorado, como é o caso da necessidade de comer, beber ou respirar. A competitividade humana simplesmente não é necessária para a sobrevivência do homem; no máximo, é uma ameaça a ela."
“Em nossa própria cultura somos sitiados pela competição. Recompensamos os vencedores e rejeitamos os perdedores. Nosso sistema educacional é baseado na competição. Não ensinamos nossas crianças a amarem o aprendizado; nós as ensinamos a se esforçarem para conseguir notas altas. Não ensinamos as crianças a amarem os esportes; nós as ensinamos a vencer jogos. Quando o escritor esportivo Grantland Rice disse: ‘O importante não é que se vença ou que se perca, e sim como se joga’, ele não estava descrevendo o tema dominante na vida americana, mas prescrevendo um remédio para a excessiva preocupação com a vitória.”
“(...) ‘manifestamos uma obsessão cultural espantosa com a vitória’ assinala Eliot Aronso em seu livro O animal social.”
E para defender tal obsessão apela-se, inclusive, para as teorias de Darwin. Deturpa-se o conceito de sobrevivência do mais apto para justificar a competitividade e a vitória sobre os mais fracos. Mais uma vez, recorro a uma passagem de Vencendo a competição.
“Darwin ficou amargurado por suas teorias terem sido distorcidas e terem ajudado a perpetuar o mito da vitória-a-qualquer-custo e a ideia de que os ‘perdedores’ merecem ser esmagados. Entretanto, apesar do mau uso de suas teorias, Charles Darwin afirmou claramente que, para a raça humana, o valor mais alto de sobrevivência está no senso moral e na cooperação – e não na competição.”
Não, a competição não é constituinte do biológico, e sim um fenômeno cultural promovido pelas diversas estruturas desta sociedade. O problema é que, diante de tantos exemplos de competitividade, a maioria (sempre ela), passa, erroneamente, a acreditar que ela seja algo inerente ao ser humano. E tal crença propicia o surgimento de mais uma profecia auto-realizável: se acreditamos que essa é a verdadeira natureza do homem e esperamos dele esse comportamento, então sem dúvida o teremos.

Imagino que tudo o que foi dito acima possibilite compreender que sadia é a cooperação, mas creio que nem seriam necessários tantos argumentos. Acredito que a simples percepção de que é a cooperação de todos os órgãos que compõem o nosso corpo que nos mantém vivos deveria ser suficiente para deixarmos de acreditar que a competição é a verdadeira natureza humana. O problema é que estes seres autodenominados racionais não gostam de coisas simples e adoram complicações. Talvez seja por isto que não percebemos que a simples troca de duas palavras transformaria nossa vida para melhor. Basta trocar “que” por “para” e tudo melhorará. Eu explico. Em vez de querermos ser melhores “que” os outros, deveríamos querer ser melhores “para” os outros. Querer ser melhor “que” significa competição enquanto querer ser melhor “para” significa cooperação.

“Tudo o que você precisa é de amor; amor é tudo o que você precisa”, diz John Lennon. E a que leva o amor? A cooperação ou a competição? Os Beatles mantiveram-se juntos enquanto houve cooperação e separaram-se quando surgiu a competição entre eles. A cooperação une e a competição separa. A competição deteriora as relações humanas. Portanto, optemos pela cooperação, pois é ela a única forma de transformar esta sociedade em algo unido pelo sentimento da consciência de grupo.

Mas apesar de tudo de ruim ser atribuído à competição e de tudo de bom ser atribuído à cooperação, é preciso lembrar do seguinte: para tudo o que existe é o uso que define se é algo bom ou ruim. Há um caso em que vejo a competição como algo saudável: é competir para ver quem mais coopera. E há também um caso em que vejo a cooperação como algo condenável: é cooperar com coisas que prejudiquem os outros. Mas em ambos os casos, estamos diante de exceções. Então, o que fazer? Abandonar a exceção em relação à cooperação e usá-la em relação à competição.

Se para começar o melhor que encontrei foi uma afirmação de Humberto Maturana, para terminar creio que o melhor seja repetir uma afirmação de Terry Orlick já citada nesta postagem:
“A competitividade humana simplesmente não é necessária para a sobrevivência do homem; no máximo, é uma ameaça a ela."

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