quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Aos que virão depois de nós

A questão - E nós, o que somos? - deixada no ar pela postagem anterior me faz lembrar de um magnífico texto de Bertolt Brecht no qual ele diz o que são os homens de sua época e o que espera que sejam os de alguma geração vindoura. E a esses ele faz um pedido que até hoje não foi atendido, pois os homens ainda não são o que ele espera que venham a ser. Brecht morreu em 1956, porém muito do que ele diz sobre sua época ainda é atual na nossa. Há no texto uma passagem que os fará lembrar muito da postagem anterior.
Aos que virão depois de nós
I
“Eu vivo num tempo sem sol.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando falar sobre árvores é quase um crime. Pois significa silenciar sobre tanta injustiça! Aquele que cruza tranquilamente a rua já está então inacessível aos amigos que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver. Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço me dá o direito de comer quando eu tenho fome. Por acaso eu estou sendo poupado (Se a minha sorte me deixa, estou perdido).
Me dizem: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens! Mas como é que eu posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.
Eu queria ser um sábio. Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria: se manter afastado dos problemas do mundo e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; seguir seu caminho sem violência, pagar o mal com o bem, não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. Sabedoria é isso! Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo num tempo sem sol!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem, quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas, para dormir eu me deitei entre os assassinos.
Fiz amor sem muita atenção e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo que me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês que vão emergir das ondas em que nós perecemos, pensem, quando falarem das nossas fraquezas, nos tempos sem sol de que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através das lutas de classe, mudando mais seguido de país do que de sapatos, desesperados, quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos: o ódio contra a baixeza também endurece os rostos! A cólera contra a injustiça faz a voz ficar rouca.
Infelizmente, nós, que queríamos preparar o terreno para a amizade, não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos. Mas vocês, quando chegar o tempo em que o homem seja amigo do homem, pensem em nós com um pouco de compreensão.”
Brecht acredita que chegará o tempo em que o homem será amigo do homem, mas imagina que isso ocorrerá apenas com os que virão depois de nós. O problema é que os que vêem depois costumam ser contaminados pelos que vieram antes. Portanto, não convém esperarmos passivamente pela chegada de homens melhores. É necessário que façamos alguma coisa para nos tornarmos melhores. E ao dizer isto, eu lembro do que diz o extraordinário Eduardo Galeano: "Somos o que somos e ao mesmo tempo o que fazemos para mudar o que somos". Para que uma geração vindoura consiga tornar o homem amigo do homem é necessário que nós comecemos a mudar o que somos.

3 comentários:

Amarin disse...

Olá Guedes!

Primeiramente gostaria de lhe agradecer por trazer cultura ao meu blog, você é uma pessoa de um extraordinário conhecimento, um dia quero ser como você, parabéns e obrigado!

Falando de sua exegese do post "As Eficientes Medidas Paliativas", quis demonstrar principalmente através de minha ótica que todas as atitudes paliativas não valem de nada! Podendo ser eficientes e não eficazes para a solução de problemas, mas muito obrigado novamente pelo seu comentário brilhante que me faz aprender muito a cada dia.

Parabéns também por mais um excelente post! Não tenho nada de interessante a comentar, pois estou apreciando a absorção da leitura.

Um grande abraço Guedes!

Amarin disse...

PS: Adorei o link do vídeo que me enviou! Realmente muito interessante, especialmente para mim anti-capitalista que sou!

Muito obrigado!

Valeu!

Guedes disse...

Olá Anselmo!

Não há o que agradecer. O que eu faço é usar a possibilidade de comentar (oferecida pelo blog) para acrescentar outros pontos de vista sobre assuntos interessantes que você focaliza em seu blog.

Quanto ao que você diz sobre o meu conhecimento, não se impressione tanto, pois considero “obrigação” de cada um aproveitar o conhecimento de quem veio antes para aumentar o seu, pois é assim que se pode contribuir para a melhoria da sociedade em que se vive. É pensando nisso que procuro aprender com todos os que julgo ter algo construtivo a ensinar.

Uma das citações que uso para ilustrar o meu blog diz: “Daqui a cinco anos você estará bem próximo de ser a mesma pessoa que é hoje, exceto por duas coisas: os livros que ler e as pessoas de quem se aproximar. (Howard Hendricks). Só o conheço através do que escreve em seu blog e dos comentários que já fez no meu, mas tenho uma ótima impressão de você. Acredito que “daqui a cinco anos você estará bem ‘distante’ de ser a mesma pessoa que é hoje”, e que um dia seu conhecimento será maior que o meu.

Demorei a responder o seu comentário e estou atrasado em relação a exegeses que ainda pretendo fazer sobre alguns posts do seu blog.

Um grande abraço,
Guedes