sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Viver

Esta postagem espalha uma ideia contida em um artigo intitulado Viver, de Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, publicado em 16 de março de 2001, no jornal O Globo. A publicação de algo tão antigo poderá causar espanto em algumas pessoas, mas será que não deveria causar espanto ainda maior a antiguidade de alguns graves problemas (alguns citados por Grajew) com os quais nos acostumamos a conviver pacificamente? O artigo foi publicado por ocasião dos episódios que cercaram a morte do governador Mário Covas e no texto que lhes repasso, excluí os trechos que se referem ao meio político.
Viver
“O cineasta japonês Akira Kurosawa realizou um filme chamado ‘Viver’ contando a história de um funcionário público no Japão, após a Segunda Guerra Mundial, que recebe a notícia de que está com câncer no estômago e tem pouco tempo de vida pela frente. Este funcionário seguia o comportamento preguiçoso e conformado de seus colegas na repartição: engavetar todos os pedidos das pessoas que vinham solicitar medidas para melhorar suas condições de vida. Ao tomar conhecimento da doença, ele resolveu dar um sentido ao pouco tempo de vida que lhe restava e mudou seu comportamento, batalhando para que as solicitações fossem atendidas. Pouco a pouco, com muita luta e dificuldades, as coisas começaram a acontecer: a comunidade ganhou uma escola, um posto de saúde, um parque e outros benefícios. O funcionário ganhou respeito e admiração da população. No dia em que ele morreu todos foram ao velório enaltecendo o seu trabalho e dedicação. De repente, um dos presentes, invejoso das homenagens, comentou: ‘mas afinal de contas seu mérito não foi tão grande, pois ele sabia que ia morrer e, portanto tinha que tentar fazer as coisas’. Um outro logo perguntou: ‘Entre todos que aqui estão, existe alguém que não vai morrer?’
Este filme me vem sempre à memória e novamente agora por ocasião dos episódios que cercaram a morte do governador Mário Covas.
(...)
Temos muita dificuldade de admitir nossa mortalidade. (...) Deixamos o tempo passar achando que sempre teremos oportunidade de fazer as coisas que achamos que seriam as mais corretas, as mais sonhadas, as que dariam um sentido às nossas vidas. Esperamos a aposentadoria para desenvolver as atividades de que gostamos, para nos dedicar às pessoas queridas, para ajudar os necessitados, para participar da comunidade, atuar com espírito público e exercer o dia-a-dia da cidadania.
Muita gente se mata para acumular riquezas buscando recursos como se pudesse almoçar e jantar diversas vezes ao dia e tivesse centenas de anos para viver. (...) Achamos que haverá sempre tempo para cultivar as relações, cuidar do espírito e alimentar o coração. Que tal começar agora?
O Brasil se tornou o campeão mundial da desigualdade social. Os serviços públicos estão deteriorados. (...) Nossas crianças estão entre as mais maltratadas do mundo, inviabilizando um futuro melhor para o Brasil. A corrupção prospera diante do silêncio e da omissão dos cúmplices e acobertadores. A violência e a criminalidade estão explodindo.
Tudo isso não aconteceu do dia para a noite. Sempre se achou que não se chegaria a esta situação, que a morte não aconteceria e que alguma medida seria tomada. O Dalai Lama diz que a vantagem de levar a vida dignamente é que a velhice se torna mais rica porque podemos vivê-la novamente. Que tal começar agora?”
Temos muita dificuldade de admitir nossa mortalidade, diz Oded Grajew, e é daí que vem a nossa dificuldade de dar um sentido à vida, digo eu. Viver é o título do filme de Kurosawa e do artigo de Grajew, mas ambos também têm a ver com o morrer. Grajew diz que esse filme lhe vem sempre à memória e que tornou a vir por ocasião dos episódios que cercaram a morte do governador Mário Covas. E do filme, ele destaca a mudança de comportamento de um personagem ao tomar conhecimento da proximidade de sua morte. É nesse momento que ele resolve dar um sentido ao pouco tempo de vida que lhe resta. E ao fazer isso ele beneficia a comunidade e dela ganha respeito e admiração.

Kurosawa mostra em seu filme algo muito comum na vida real. Infelizmente, para a maioria das pessoas é necessário um aviso de que lhes resta pouco tempo de vida para que elas resolvam dar um sentido a sua existência. Portanto, admitir a mortalidade parece ser imprescindível para dar sentido à vida.

Muita gente se mata para acumular riquezas buscando recursos como se pudesse almoçar e jantar diversas vezes ao dia e tivesse centenas de anos para viver, diz Oded Grajew. Tal afirmação me faz lembrar das palavras atribuídas ao Dalai Lama (que também foi citado no artigo de Grajew) transcritas abaixo.
"Os Homens... perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. Por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma, que acabam por não viver nem o presente, nem o futuro...e vivem como se nunca fossem morrer...e morrem como se nunca tivessem vivido".
No filme de Kurosawa há a seguinte pergunta: ‘Entre todos que aqui estão, existe alguém que não vai morrer?’ Se a resposta for não, creio que seja bastante conveniente refletir sobre uma frase atribuída a Otto von Bismarck, chanceler alemão do século XIX.
"Os povos inteligentes aprendem da experiência alheia; os medíocres aprendem por sua própria experiência; os ineptos simplesmente não aprendem."
Portanto, troquemos povos por pessoas, sejamos inteligentes e aprendamos com a experiência alheia. Admitamos a nossa mortalidade e comecemos a dar sentido à nossa vida.

Para terminar esta já longa postagem, creio que seja bastante adequado repetir os seguintes trechos do artigo de Oded Grajew.
Deixamos o tempo passar achando que sempre teremos oportunidade de fazer as coisas que achamos que seriam as mais corretas, as mais sonhadas, as que dariam um sentido às nossas vidas.
Achamos que haverá sempre tempo para cultivar as relações, cuidar do espírito e alimentar o coração. Que tal começar agora?

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