segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Desfiz 62 anos

Em 16 de setembro de 2008, um dia após completar o 75º ano de sua chegada a este mundo, Rubem Alves publicou, em sua coluna quinzenal no jornal Folha de São Paulo, um artigo intitulado Desfiz 75 anos. Hoje, um dia após desfazer 62 anos, resolvi presentear os leitores deste blog com o espalhamento da interessante ideia de Rubem Alves.
Desfiz 75 anos...
“Minha formação filosófica exige que eu use as palavras com precisão porque as palavras devem revelar o ser. E é assim, usando de forma precisa as palavras, que comunico aos meus leitores que ontem desfiz 75 anos...
Leitores haverá que se apressarão a corrigir meu uso estranho, nunca visto, da palavra ‘desfazer’, atribuindo-o, quem sabe, a um início do mal de Alzheimer. Todo mundo sabe que, para se anunciar um aniversário, o certo é dizer ‘fiz’ tantos anos. No meu caso, ‘fiz’ 75 anos.
Mas o verbo “fazer” sugere algo que aumenta, um crescimento do ser, a obra de um artista, um edifício que um engenheiro constrói.
Mas qual é o ser aumenta e cresce com a passagem do tempo, esse monstro que devora seus filhos? Com a passagem do tempo aumenta o vazio. Esses anos que o aniversariante distraído anuncia como anos que ele está fazendo são, precisamente, os anos que se desfizeram, o Ser que foi engolido pelo Nada...
Por isso acho um equívoco filosófico perguntar a alguém: ‘Quantos anos você tem?’ O certo seria perguntar: ‘Quantos anos você não tem?’. E a pessoa responderia: ‘Não tenho 42 anos’, ‘não tenho 28 anos’. Porque esse número de anos indica precisamente os anos que aquela pessoa não tem mais. Nos aniversários, então, a maneira filosoficamente correta de se dirigir a um aniversariante é perguntando-lhe: ‘Quantos anos você está desfazendo hoje?’.
Com base nessas reflexões, acho extremamente estranho e mesmo de mau gosto esse costume de o aniversariante soprar velinhas acesas. O que sobra, então? Sobra um pavio negro retorcido. Aí, nesse momento, todos gritam e riem de alegria e cantam o ‘Parabéns a você’, em louvor a essa ‘data querida’.
Bachelard, no seu delicadíssimo livro A chama de uma vela, que nunca será best-seller, nos lembra que uma vela que queima é uma metáfora da existência humana. Há alguma coisa de trágico na vela que queima: para iluminar ela tem que morrer um pouco. Por isso a vela chora. Prova disso são as lágrimas que escorrem pelo seu corpo em forma de estrias de cera.
Uma vela que se apaga é uma vela que morre. Algumas velas se consomem todas, morrem de pé, têm de morrer porque a cera já se chorou toda. Outras morrem antes da hora – elas não queriam morrer, mas veio o vento e a chama se foi.
As velas acesas fincadas no bolo não querem morrer. Elas vão ser assassinadas por um sopro. O sopro que apaga as velas é o sopro que apaga a vida...
Por isso não entendo os risos, as palmas e a alegria que se segue ao sopro que apaga as velas. Uma vela que se apaga é um sol que se põe, disse Bachelard. E todo pôr de sol é triste... Uma vela que se apaga anuncia um crepúsculo.
Por isso eu prefiro um ritual diferente, ritual que é uma invocação. Eu acendo uma vela pedindo aos deuses que me deem muitos anos a mais de vida, esses anos que se seguirão, que são o único tempo que realmente possuo.
Assim fiz, acendi uma vela, meus amigos à minha volta. Que coisa boa é ter amigos, especialmente quando o crepúsculo e a noite se anunciam!
Acho que a vida humana não se mede nem por batidas cardíacas nem por ondas cerebrais. Somos humanos, permanecemos humanos enquanto estiver acesa em nós a chama da esperança da alegria. Desfeita a esperança da alegria, a vida perde o sentido. É isso que desejo quando acendo minha vela. Peço aos deuses que me levem quando a chama da esperança da alegria se apagar.”
Ao terminar dizendo que acha que a vida humana não se mede nem por batidas cardíacas nem por ondas cerebrais e que permanecemos humanos enquanto estiver acesa em nós a chama da esperança da alegria, Rubem Alves me faz lembrar de algo que li em um daqueles cartões que se dá a alguém a quem se deseja Feliz Aniversário.
“A Vida
não pode ser contada em velas,
mas sim pelos sonhos perseguidos corajosamente
e esperanças mantidas vivas.
A Vida
não pode ser medida em anos que se passaram,
ela é contada pelas amizades,
pelas alegrias,
pessoas amadas
e todas as pequenas bençãos que recebemos a cada dia.”

Um comentário:

Amarin disse...

Olá Guedes!

Interessante esta postagem! Porém discordo, acredito que "fazemos" sim anos de vida, e não importa se estamos fazendo ou desfazendo, mas sim o que estamos fazendo com eles.

Obrigado pela visita, estou um pouco ausente por fala de tempo.

Abraços!

PS: A propósito, feliz aniversário!