quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Reflexões provocadas pela história secreta do cartão de crédito

A intenção de publicar a história secreta do cartão de crédito é provocar algumas reflexões sobre os conhecidos males causados pelo uso inadequado de tal cartão. Término de relacionamentos, desagregação de famílias, geração de inimizades, desenvolvimento de dependência de bebidas alcoólicas, faltas ao trabalho, desenvolvimento de doenças e até suicídios, são alguns dos males originados pelo acúmulo de dívidas contraídas pelo uso e abuso de cartões de crédito.
Na história secreta do cartão de crédito são feitas duas afirmações que deveriam merecer bastante atenção. “Com cartão você pode tudo. Menos pagar a fatura”. Infelizmente, a maioria dá atenção apenas a primeira e negligencia a segunda. E ao agir assim, valida a seguinte passagem do livro O paradoxo do tempo – Você vive preso ao passado, viciado no presente ou refém do futuro?, de Philip Zimbardo & John Boyd.
“O lema de quem é orientado para o presente hedonista é o seguinte: “Se isso te faz sentir bem, então compre”. O entusiasmo dessas pessoas por viver é caro, o que se torna um obstáculo para atividades chatas, como pagar as contas. Como conseqüência, as pessoas com pontuação alta na escala do presente hedonista acabam pagando duas vezes pela mesma coisa. Elas começam pagando a primeira vez, e depois o fazem novamente por causa dos juros do cartão de crédito e juros por atraso. Gaste um pouco com diversão, mas planeje suas compras de acordo com o que você tem, para não terminar pagando duas vezes pela mesma coisa.”
E ao pagar duas vezes pela mesma coisa, ou seja, ao pagar em dobro, as pessoas compram apenas metade do que comprariam se pagassem só uma vez. Será que isto é difícil de entender? Parece que sim. Vejam o que diz Eduardo Ramalho, diretor de desenvolvimento de negócios da Acxiom Brasil, em uma reportagem intitulada Americano escolhe cartão por juros e brasileiro, por prazo, publicada no jornal Brasil Econômico e também no blog Lendo e opinando: ‘A facilidade no parcelamento das despesas resulta em aumento do poder de consumo’.”
Não consigo entender tal afirmação. Em minha opinião, aumento do poder de consumo significa poder consumir uma quantidade maior de produtos e / ou serviços, o que é totalmente incompatível com o parcelamento de despesas. Para defender minha opinião recorro ao método das implicações sucessivas. Parcelar despesas implica em pagar juros que implica em dispor de menos dinheiro que implica em comprar menos coisas. E se comprar menos coisas significa aumentar o poder de consumo, chego à conclusão que, para os aficionados por cartão de crédito, a palavra aumentar tem um significado completamente diferente daquele que eu conheço.
E não me venham com aquela história de parcelamento sem juros, pois já temos idade suficiente para deixar de acreditar em lorotas, ou melhor, em conversas fiadas, já que estamos falando de crediário. O arraigado hábito de comprar verificando apenas se a parcela cabe no bolso, sem levar em conta o preço total da compra, induz quem vende a embutir os juros no preço à vista. Algo típico de uma sociedade onde impera o lema me engana que eu gosto.
O subtítulo do livro citado no início desta postagem - Você vive preso ao passado, viciado no presente ou refém do futuro? - é perfeito para explicar as consequências do fascínio por cartões de crédito. Os endividados enquadram-se nas três situações: Vivem presos às dívidas contraídas no passado, seu futuro é refém de instituições financeiras e só com o abandono dos vícios do presente poderão evitar a débâcle total.
Tenho consciência de ter escrito uma postagem que incomodará a maioria, pois esta considera impossível alguém viver sem cartões de crédito, mas felizmente já consegui superar o estágio evolutivo que só permite que as pessoas digam o que as outras querem ouvir. A evolução do ser humano acontece na razão direta de sua capacidade para ouvir o que precisa ouvir e não o que quer ouvir.
Gaste um pouco com diversão, mas planeje suas compras de acordo com o que você tem, para não terminar pagando duas vezes pela mesma coisa é a recomendação de Philip Zimbardo & John Boyd no livro já citado. Planejar suas compras de acordo com o que você tem é, exatamente, o comportamento que as instituições que oferecem cartões de crédito esperam que jamais seja adotado pelos usuários, pois é dos juros decorrentes de compras a serem pagas com o dinheiro que não têm que provém a maior parte da receita de tais instituições.
Há uma frase que ouvi de um ex-colega de trabalho que talvez seja a melhor definição de cartão de crédito. Cartão de crédito é algo que as pessoas usam para comprar coisas das quais não necessitam com o dinheiro que não têm.
Há muitos anos eu tive um cartão de crédito. Enquanto o tive jamais paguei juros e o cancelei quando atinei para o fato de que a facilidade de concessão de crédito é um dos fatores que mais contribui para a inflação. Tenho consciência de que minhas atitudes não mudarão o mundo para melhor, mas procuro ser menos um a contribuir para torná-lo pior. E agindo assim corro alguns riscos. Um eles é causar espanto em alguém que telefone com a finalidade de me oferecer um cartão de crédito.

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