segunda-feira, 17 de outubro de 2011

ECA - Espécie Carecendo de Atenção

“Nesta estória toda não sei quem é mais carente: quem aluga a amizade ou quem é alugado. Afinal os dois não têm com quem conversar, a diferença é que um resolveu tirar partido dessa situação e ganhar dinheiro.”
As palavras acima são de um comentário da Denise, uma ex-colega de trabalho e eterna amiga, após a leitura da postagem É possível alugar um amigo?
Não saber quem é o mais carente me faz lembrar algo que li na introdução do livro intitulado Pecados do espírito, bênçãos da carne – Lições para transformar o mal na alma e na sociedade, de Matthew Fox.
Uma Espécie Carecendo de Atenção
“Um ano atrás, após uma palestra que dei no Havaí, um rapaz me procurou com uma história. ‘Tenho Aids’, disse ele, ‘e no dia que me revelaram o diagnóstico, você me apareceu em sonho usando um avental branco de médico e me disse que PCA não significa ‘paciente com Aids’, e sim, ‘pessoa carecendo de atenção’. Esse sonho mudou minha vida’. O jovem me explicou que, pela primeira vez, estava realmente cuidando de si e das questões do coração, tinha se mudado de Boston para o Havaí a fim de viver uma vida mais tranquila e se sentia mais forte e alegre ante a jornada que o esperava.
Acredito que essa história possa ser ligeiramente adaptada para se aplicar a todos nós. A sigla que sugiro é ECA, nossa ‘espécie carecendo de atenção’. Nas guerras e na violência da era industrial, nossa espécie tem negligenciado as necessidades do coração. Negligenciamos também as necessidades de outros seres com os quais dividimos este planeta. Precisamos sondar mais profundamente e com maior senso de comunidade quem somos como espécie: nossas forças e nossas fraquezas, nosso poder e o mau uso que fazemos dele. Devemos prestar atenção também à nossa capacidade de destruição e de ódio por nós mesmos, ao nosso ressentimento e avareza, à nossa inveja e indiferença, à nossa arrogância e maldade – em suma e por falta de um termo melhor, aos nossos pecados. Este livro é uma tentativa de embarcar nessa exploração.
À medida que nossa espécie evolui espiritualmente, devemos olhar melhor e com mais cautela para a nossa cumplicidade com o mal e para o como nossas tradições espirituais podem nos auxiliar a crescer, transpondo a violência. O avanço espiritual não se restringe a aumentar a luz no mundo; precisamos também aumentar nossa percepção daquelas forças sombrias que devemos combater. Do contrário, pagaremos um preço. Scott Peck, em The People of the Lie [O povo da mentira], fala desse tema: ‘As principais ameaças à nossa sobrevivência já não vêm da natureza externa, mas sim de nossa natureza humana interna. São nossas hostilidades, nosso descaso, o egoísmo, o orgulho e a ignorância deliberada que põem o mundo em perigo. Se não conseguirmos domar e transmutar o potencial da alma humana para o mal, estaremos perdidos’.
Peck, no entanto alerta que ‘a identificação do mal ainda está em seu estágio primitivo’. Martin Buber, em seu livro Good and Evil [O bem e o mal], faz a pergunta: Qual deveria ser o ‘ponto de ataque para a luta contra o mal’? E dá a resposta: ‘A luta deve começar dentro da alma do indivíduo – todo o resto segue daí’.”
1. “O jovem me explicou que, pela primeira vez, estava realmente cuidando de si e das questões do coração (...)”, diz Matthew Fox no texto acima.
2. “Minha vida foi salva por um sorriso do coração”, diz Antoine de Saint-Exupéry na postagem O coração tem razões...
3. “(...) os cientistas estão se dando conta de que o coração não é meramente uma bomba mecânica, mas um sofisticado sistema para receber e processar informações”, diz Susan Andrews também na postagem O coração tem razões...
4. ‘O coração tem razões que a própria razão desconhece’, diz o filósofo francês Blaise Pascal.
E é por não dar a devida importância ao coração que a maioria passa a vida legitimando as palavras de Matthew Fox: “(...) nossa espécie tem negligenciado as necessidades do coração. Negligenciamos também as necessidades de outros seres com os quais dividimos este planeta.”
E negligenciando coisas imprescindíveis ao desenvolvimento de um ambiente saudável que propicie a convivência harmoniosa com outros seres com os quais dividimos este planeta, desenvolvemos um mundo repleto de Pessoas Carecendo de Atenção. Em minha opinião, a carência de atenção já é um mal a ser combatido. E para combatê-lo concordo que o ponto de ataque seja aquele indicado por Martin Buber: “A luta deve começar dentro da alma do indivíduo – todo o resto segue daí”.
E se a luta deve começar dentro da alma do indivíduo significa que é indispensável haver um esforço pessoal para abrir a porta da alma (pois ela só pode ser aberta por dentro) a sentimentos que sejam capazes de contribuir para nos tornarmos melhores, pois a melhoria de uma sociedade é resultado da melhoria dos indivíduos que a compõem. Como, até hoje, a maioria ainda prefere abrir a porta para a entrada de maus sentimentos e reluta em abri-la para a entrada de bons, inverter tal preferência requer um verdadeiro “esforço pessoal”.
Concordo que seja realmente difícil saber quem é mais carente: quem aluga a amizade ou quem é alugado.

Nenhum comentário: