terça-feira, 20 de março de 2012

Não é dedicação, é ineficiência

O que é dedicação? Segundo os dicionários é qualidade de quem se dedica; abnegação, consagração, devotamento. E o que significa dedicar? Pôr ao serviço de; ocupar-se. Ou seja, a qualidade em si é positiva, mas usada em excesso ela torna-se negativa. Em doses exageradas remédios chegam a matar. Ajuda demais prejudica o ajudado, pois o torna incapaz, e por aí vai. O uso em medidas erradas costuma inverter os efeitos e tornar-se outra coisa. O remédio vira veneno, a ajuda torna-se um malefício e a dedicação transforma-se em ineficiência. É o que ocorre cada vez mais no mundo corporativo em relação à dedicação da "força de trabalho". Adoro esta expressão! Eu a interpreto assim: Quem pertence a ela só trabalha porque é forçado a fazê-lo!
É o excesso de dedicação que leva os profissionais a trabalhar durante horas e horas seguidas, virar noites com a ilusória pretensão de colocar cronogramas em dia, trabalhar durante finais de semana, levar trabalho para casa, deixar de tirar férias e outras loucuras mais, geralmente praticadas por medo de superiores hierárquicos autoritários ou pela vontade de impressionar tais superiores em busca de uma promoção. Descobertas feitas há muito tempo por faculdades de administração nos EUA já demonstraram a ineficiência resultante de tamanha dedicação, mas, infelizmente, ela ainda predomina na maioria das empresas deste País. São de um artigo de Gilberto Dimenstein publicado no jornal Folha de São Paulo, em 09 de novembro de 1997 (sim, há quase quinze anos!) os seguintes trechos:
"O funcionário que leva serviço para casa, inclusive nos finais de semana, deveria ser premiado pela eficiência. Óbvio, certo? Descobertas feitas por faculdades de administração nos EUA sobre como empresas organizam o tempo mostram que a resposta não é tão óbvia – aliás, quem respondeu positivamente corre um grande risco de estar errado.
O padrão de funcionário exemplar, admirado pelos chefes e invejado pelos pares, revela dedicação e fidelidade, mas não necessariamente eficiência. Muitas vezes esse empregado modelar está exercitando, consciente ou inconscientemente, um truque atrás de promoção, detectado nas entrevistas feitas pelas faculdades.
Por trás da imagem do incansável funcionário está uma ilusão: trabalhar bem seria trabalhar muitas horas. Para não serem considerados preguiçosos, os colegas imitam e também alargam o expediente.
Claro que certas profissões, do tipo jornalista ou médico, têm mais dificuldade de planejar o horário, já que vivem de imprevistos. Mas, no geral, o que antes era tido como inquestionável qualidade, hoje já merece a desconfiança de ser desorganização, desperdício e, pior, estupidez.
Essas pesquisas que desafiam o senso comum se encaixam não apenas num ambiente em que a criatividade, flexibilidade e até intuição são mais e mais valorizadas. Daí o crescente respeito à tese de que trabalhar menos significa produzir mais, evitando o desgaste humano."
Mas se as afirmações acima são descobertas feitas por faculdades de administração dos EUA, há também uma afirmação bastante interessante atribuída à mãe de um dos chefes da Contabilidade (um dos reinos da dedicação excessiva) que conheci durante a minha vida profissional. De mãe para filho, ela lhe disse o seguinte: "Quem trabalha de segunda a sexta até altas horas e ainda precisa ir trabalhar aos sábados só pode ser incompetente." Existem mães que conhecem os filhos que têm! E que seriam extremamente úteis "dirigindo-os" no teatro corporativo.
Independentemente de descobertas feitas por faculdades de administração, será que é difícil perceber que a quantidade de horas trabalhadas ininterruptamente é diretamente proporcional a quantidade de trabalhos a serem corrigidos ou refeitos? Vocês já ouviram falar em retrabalho? A maioria dos que atuam no teatro corporativo não só ouviu falar como também está cansada de praticá-lo. Digo isto com conhecimento de causa, pois atuei em tal teatro durante 3,7 décadas.
"Essas pesquisas que desafiam o senso comum se encaixam não apenas num ambiente em que a criatividade, flexibilidade e até intuição são mais e mais valorizadas. Daí o crescente respeito à tese de que trabalhar menos significa produzir mais, evitando o desgaste humano."
Ou seja, as pesquisas citadas no artigo de Gilberto Dimenstein desafiam o que? O velho bom senso. A capacidade de julgar e de resolver problemas conforme o senso comum. E aumentam o que? O respeito à tese de que trabalhar menos significa produzir mais, evitando o desgaste humano. Isto é, ser preguiçoso possibilita produzir mais, evitando o desgaste humano.
Aumentar a produtividade é produzir mais fazendo menos e melhor. E, segundo Peter Taylor, a arte da preguiça está em fazer menos e melhor. Vocês percebem que aumentar a produtividade tem tudo a ver com preguiça? E que em contrapartida o excesso de dedicação está diretamente ligado à ineficiência? Quanto melhor se trabalha menos dedicação é necessária. Sendo assim, eliminar a ineficiência passa pela contratação de profissionais que saibam usar a dedicação na medida certa. Ou seja, como afirma Eduardo Cupaiolo em seu livro (cuja leitura foi recomendada no final da postagem anterior) passa por contratar preguiçosos.

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