segunda-feira, 16 de julho de 2012

Uma conspiração pelo conflito

A ideia de publicar, na postagem anterior (Uma conspiração pela paz), o excelente artigo de Dulce Magalhães surgiu quando vi a euforia provocada pela luta de MMA entre Anderson Silva, o novo “herói” da Rede Globo, digo deste país tropical, e seu inimigo Chael Sonnen. É impressionante o prazer que as pessoas sentem ao ver alguém sendo "arrebentado" por outro! Em uma demonstração da intenção de estimular cada vez mais o gosto por este tipo de "espetáculo", a emissora que o apresenta deslocou para sua transmissão o seu locutor mais famoso, tirando-o da apresentação de outras atrações das quais ele é o titular. Ou seja, a intenção é despertar nesta sociedade já violenta a vontade de tornar-se um novo Anderson Silva e sair por aí "arrebentando" incautos desafiantes.
Eu já tinha redigido esta postagem quando li na edição de 18 de julho de 2012 (depois de amanhã!) da revista Carta Capital, o editorial assinado por Mino Carta, intitulado A imbecilização do mundo - Velozes considerações sobre o fenômeno. O texto abrange alguns assuntos e um deles é o fenômeno Anderson Silva. Da mesma forma que ninguém resiste ao novo herói, não resisti à vontade de acrescentar a esta postagem o parágrafo dedicado ao vale-tudo do octógono.
“É brasileiro o número 1 do MMA, o vale-tudo do octógono, a luta que assinala o retorno aos gladiadores. Li, pasmem, na primeira página do Estadão. Só falta o Coliseu. Também faltam os leões, mas não nos surpreenderemos se, de uma hora para outra, irromperem na arena. Os índices de audiência são altíssimos, obviamente, e haverá quem se ufane de ser brasileiro ao se deparar com a ferocidade de Anderson, nosso Hércules. E fique feliz porque a transmissão do MMA iguala o Brasil aos Estados Unidos e ao Japão. No resto dos países tidos como civilizados, a luta é proibida."
Esporte é saúde; esporte é vida. É com este slogan que se pretende estimular alguém a arrebentar um inimigo em um octógono, pois isto é considerado um esporte. E para aqueles que não conseguirem a ser um lutador profissional restará a alternativa de sair por aí extravasando sua frustração em brigas em arquibancadas ou mesmo nas ruas. É isso o que faz a enorme quantidade de lutadores frustrados que, travestidos de torcedores de futebol, sai por aí arrebentando torcedores de clubes diferentes dos deles.
Parece-me óbvio que nem todo apreciador deste tipo de “espetáculo” sairá por aí arrebentando outras pessoas a torto e a direito, mas creio que o gosto por ele ajude a manter vivo e a fortalecer o germe da violência que todos trazem dentro de si. Germe que faz com que, juntando-se as grandes cidades brasileiras, nelas sejam, diariamente, registradas centenas de ocorrências de brigas oriundas de colisões no trânsito e de pancadarias em locais aos quais alguns vão com a intenção de se divertir, enquanto outros vão com a finalidade de usar os músculos que eles passam horas e horas exercitando em academias, sem lhes deixar tempo para exercitar e desenvolver a mente.
"É na mente dos indivíduos que nasce o modelo da guerra e do conflito - e é nela que precisamos plantar as sementes da paz. (...) Nada muda enquanto nós não mudarmos. Somos a semente do futuro que queremos. Nossa forma de perceber a realidade determina escolhas, comportamentos e resultados. Assim, de forma individual, moldamos a realidade coletiva."
É na mente dos indivíduos que nasce o modelo da guerra e do conflito - e é nela que precisamos plantar as sementes da paz, diz Dulce Magalhães, alguém que conspira pela paz. E é também nela que os conspiradores pelo conflito plantam as sementes da guerra e do conflito, da inimizade entre as pessoas. E entre os conspiradores pelo conflito, eu incluo os estimuladores a prática de qualquer esporte violento. Aliás, se esporte é saúde; esporte é vida, tenho dificuldade em aceitar como esporte algo que coloque em risco a saúde e a vida. No meu entender, até o futebol profissional, cada vez mais violento, já deixou de ser um esporte. Hoje ele é apenas um negócio, e negócio é algo que não combina com saúde e com vida. Os planos de saúde estão aí para confirmar esta afirmação.
Nossa forma de perceber a realidade determina escolhas, comportamentos e resultados. Assim, de forma individual, moldamos a realidade coletiva. Nossa forma de perceber a realidade determina se escolheremos comportamentos adequados a um conspirador da paz ou do conflito. Assim, de forma individual, moldamos a realidade coletiva: para uma cultura de paz ou de conflito.
Minha inteligência é insuficiente para entender como será possível desenvolver uma cultura de paz em uma sociedade onde segmentos com enorme capacidade de influenciar as pessoas conspirem pelo conflito, estimulando o gosto por "espetáculos" violentos.

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