terça-feira, 27 de novembro de 2012

Uma espécie de exame de consciência para os "homens honestos" do mundo

Em conformidade com a ideia de sequenciar postagens que tenham alguma afinidade, segue uma que focaliza a questão da criminalidade. Ela apresenta um texto do livro Novos Rumos para a Educação, de Huberto Rohden, editado pela livraria Freitas Bastos, em junho de 1960. Lido isto, vocês poderão pensar algo mais ou menos assim: normal ele nunca deve ter sido, mas agora parece que pirou de vez, pois, em 2012, recorre a Novos Rumos para a Educação publicados em 1960; no milênio passado! Então, para evitar que pensamentos como esse se consolidem, o melhor a fazer é começar a dar as devidas explicações. Apesar de transcorridos 52 anos, o texto é de uma atualidade impressionante, pois focaliza algo pelo qual nada do que foi feito após a sua publicação surtiu efeito: a questão da criminalidade. Meio século se passou, Huberto Rohden desencarnou, a livraria Freitas Bastos acabou, pelos Novos Rumos para a Educação não se trilhou e a questão da criminalidade só aumentou. Portanto, creio que ainda seja válido refletir sobre as ideias contidas no texto apresentado abaixo. Leiam e confiram.
*************
Tenho diante de mim o livro "Daemon-Stadt" (cidade-demônio) do Dr. Kurt Gauger, médico, psiquiatra e filósofo germânico, obra em que o autor, à luz de abundantes fatos recentes, estuda o alarmante problema da criminalidade juvenil, e até infantil, na Alemanha e em outros países, no período que seguiu às duas guerras mundiais. Chega à conclusão de que a presente geração, produto de gerações anteriores e herdeira de ideologias funestas, perdeu a noção da responsabilidade ética, porque perdeu a noção de ser parte integrante do grande TODO, seja o TODO imediato da humanidade, seja o TODO longínquo do Universo como tal. Uma criança de 12 anos mata seu pai com um tiro de revólver; interrogada pelo motivo do crime, responde cinicamente: "Matei porque quis". Não tem o menor remorso do seu ato, diz, porque toda pessoa tem o direito de fazer aquilo que acha interessante.
Em última análise, quem perde a visão de um TODO maior de quem ele faz parte e que tem de respeitar, perde necessariamente a noção da ética, da obrigação, do dever moral, porque a noção de ética se baseia na consciência de que eu sou parte de um TODO, e que esta parte tem certas obrigações naturais e indeclináveis para com o TODO, que tem direitos reais sobre mim.
Como se vê, o problema da criminalidade afeta o problema da ética, e este radica no problema da metafísica, a questão da íntima natureza humana. "Que é o homem? Donde vem? Para onde vai? Por que está aqui na Terra?" - Não é possível dar base sólida a ética sem responder, satisfatoriamente, a essas perguntas fundamentais da vida.
Necessitamos, não só de professores eruditos para instruir os seus alunos - necessitamos, sobretudo, de mestres de caráter que, com a sua própria vida e vivência, deem a seus discípulos o exemplo da dignidade do homem.
No citado livro "Daemon-Stadt", págs. 122-124, reproduz o Dr. Kurt Gauger a impressionante carta de um jovem delinquente que, à sombra da penitenciária, escreve uma espécie de exame de consciência para os "homens honestos" do mundo. (os negritos são meus). Diz o jovem delinquente:
"Porque vós sois fracos no bem, por isto nos destes o nome de fortes no mal - e com isto condenais uma geração contra a qual pecastes - porque sois fracos.
Nós vos concedemos dois decênios para nos fazerdes fortes - fortes no amor, fortes na boa vontade - vós, porém, nos fizestes fortes no mal, porque sois fracos no bem.
Não nos indicastes caminho algum que tivesse sentido, porque vós mesmos ignorais esse caminho e vos descuidastes de procurá-lo - porque sois fracos. Vosso vacilante "não" assumia atitude incerta diante das coisas proibidas; nós demos uns gritos - e vós retirastes o vosso 'não' e dissestes 'sim', a fim de poupardes os vossos nervos fracos. E a isto chamastes "amor".
Porque sois fracos, por isto comprastes de nós o vosso sossego. - Quando nós éramos pequenos, nos dáveis dinheiro para irmos ao cinema ou comprarmos sorvete; com isto prestastes um serviço não a nós, mas sim à vossa comodidade - porque sois fracos. Fracos no amor, fracos na paciência, fracos na esperança, fracos na fé.
Nós somos fortes no mal - mas as nossas almas têm apenas metade da nossa idade.
Nós fazemos barulho para que não tenhamos de chorar por todas aquelas coisas que deixastes de nos ensinar. Sabemos ler e contar; sabemos quantos estames há nesta ou naquela flor, sabemos como vivem as raposas e conhecemos a estrutura de um pé de capim - aprendemos a ficar quietos nos bancos de escola e apontar o dedo, a fim de contarmos coisas sobre raposas e rosas silvestres - mas não nos ensinastes como enfrentarmos a vida.
Estaríamos até dispostos a crer em Deus, num Deus infinitamente forte que tudo compreendesse e de nós esperasse que fôssemos bons - mas não nos mostrastes um só homem que fosse bom pelo fato de crer em Deus. Ganhastes muito dinheiro com serviços religiosos e murmurastes orações segundo a velha rotina.
Sr. Policial! Põe de parte o teu cassetete e tua pistola! Dize-nos antes o que nos interessa saber: - é verdade que amas a ordem pública a que serves? Ou não será que amas o direito que tens ao teu ordenado e à tua aposentadoria?
Sr. Ministro! Mostra-nos se és forte como homem! Quantas obras boas praticas tu, como cristão, às ocultas?
Será que nós não somos as caricaturas da vossa existência toda feita de mentiras?
Nós somos desordeiros públicos e fazemos muito barulho - vós, porém, lutais às ocultas, um contra o outro; estrangulai-vos comercialmente e armais intrigas para conquistardes posições mais rendosas.
Em vez de nos ameaçardes com bastões de borracha, colocai-nos face a face com homens de verdade, que nos mostrem qual é o caminho certo, não com palavras, mas com a sua vida.
Mas ai! Que vós sois fracos no bem! Os que são fortes no bem vão para a mata-virgem e curam os negros da África (1) - porque eles vos desprezam, assim como nós vos desprezamos. Porque vós sois fracos no bem - e nós somos fortes no mal.
Mamãe, vamos rezar! Porque esses homens fracos estão armados de pistolas!"
Como invalidar esse tremendo exame de consciência que um criminoso institui com os "homens honestos" da sociedade, os que são "fracos no bem"?
Certamente não com velhas teorias papiráceas, mas com uma nova realidade vital...
(1) Alusão a Albert Schweitzer.

Nenhum comentário: