segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

As lentilhas e o caminho de Diógenes

A prática do raciocínio sistêmico (segundo o qual qualquer coisa está ligada a outras) faz com que eu esteja sempre buscando relações entre tudo o que vejo, faço, digo, leio e escrevo. É assim que escolho o que espalhar com as minhas postagens e foi assim que o uso das lentilhas em simpatias feitas no réveillon, com a intenção de melhorar de vida no próximo ano, levou-me a espalhar, neste início do mês de janeiro, uma história que também envolve lentilhas e que, dependendo da interpretação que lhe dermos, pode contribuir para melhorar a nossa vida não só no próximo ano, mas em todos aqueles que ainda tivermos. Apesar de ser antiquíssima, pois teria ocorrido entre os séculos V e IV a.C., a história ainda propicia, e propiciará sempre, reflexões valiosas sobre coisas que a tal da espécie inteligente do Universo insiste em não querer aprender.
"Certo dia, Diógenes de Sínope estava sentado na soleira da porta de uma casa qualquer comendo lentilhas (uma das comidas mais baratas da época) quando Arístipo de Cirene que também era filósofo, mas que, por ser adepto do prazer como único bem absoluto na vida e para levar uma vida confortável, vivia sempre bajulando o imperador, disse-lhe o seguinte:
- Ai Diógenes! Se aprendesses a ser submisso e a bajular o imperador, não terias que reduzir tua alimentação a um prato de lentilhas.
Diógenes interrompeu a refeição, levantou os olhos para o rico interlocutor, e disse:
- Ai de ti, irmão! Se aprendesses a te satisfazer com um prato de lentilhas, não terias que passar a tua vida bajulando o imperador.
Esse é o caminho de Diógenes, o caminho do auto-respeito, da defesa da dignidade acima da necessidade de aprovação. Necessitar demasiado da aprovação dos outros, do reconhecimento dos outros, pode levar a caminhos desviantes, desviantes de si mesmo. E se o preço a pagar for deixar de ser si mesmo, então o preço é demasiado caro."
Minha primeira interpretação dessa história leva-me a uma analogia com aquele ambiente de trabalho onde uma enorme quantidade de profissionais busca emprego: o teatro corporativo. Nele, é cada vez maior a quantidade de profissionais que, para levar uma vida confortável, vive sempre bajulando chefes, gerentes e assemelhados com a finalidade de obter um cargo que lhes dê a ilusória sensação de serem superiores (nunca entendi em quê) aos que lhe sejam subordinados. E na busca por tal cargo eles seguem exatamente na contramão do caminho de Diógenes. Ou seja, põem o auto-respeito e a defesa da dignidade abaixo da necessidade de aprovação dos que podem lhe conceder um almejado cargo de confiança.
E uma vez alcançado tal cargo, o auto-respeito e a defesa da dignidade já eram. Afinal, o que significa a expressão cargo de confiança? Significa que para não correr riscos de perder o cargo seu ocupante nunca trairá a confiança daqueles que nele o colocaram e jamais deixará de fazer o que "o seu mestre mandar". E uma vez alcançado tal cargo, seu ocupante "sente-se" obrigado a seguir o lema Manda quem pode e obedece quem tem juízo. Ficou claro o significado de cargo de confiança? Dá para concordar com a afirmação de que o caminho de Diógenes não é uma via para alcançar tais cargos? A quem discordar, sugiro que pense um pouco mais, procure ser sincero(a) consigo mesmo(a) e tente ver se não discorda apenas por conveniência.
Se aprendêssemos a nos satisfazer com um prato de lentilhas, digo, com coisas que não sejam a versão mais recente daquilo que já temos (pois isto nos obriga a jamais parar de comprar) não teríamos que passar a vida bajulando superiores hierárquicos para evitar perder um emprego onde se tenta ganhar o dinheiro quase sempre insuficiente para comprar a infinidade de necessidades (sic) artificialmente criadas por uma sociedade baseada no consumo insaciável. É por não ter aprendido a satisfazer-se sem comprar tudo o que nela é oferecido que a maioria acaba vendendo coisas como o auto-respeito e a defesa da dignidade. E ao redigir esta afirmação eu me lembro de duas frases ditas por personagens de uma antiga charge de Millôr Fernandes, publicada no extinto Jornal do Brasil.
- Às vezes, para sobreviver, a gente tem que fazer certas coisas.
- Mas, depois de fazer certas coisas, pra que sobreviver?
Será que as duas frases dos personagens da charge têm alguma coisa a ver com as filosofias de vida de Arístipo de Cirene e de Diógenes de Sínope, respectivamente? O que vocês acham?

9 comentários:

Áurea disse...

Depois que ouvi essa estória.minha visão da vida.melhorou muito.pois me submetia as pessoas sem interesse algum.so que tenho meu limite e quando ultrapassam esse limite eu me coloco.doa a quem doer.obrigada por postar.venho procurando a anos essa estória.pra poder compartilhar.sempre é bom plantar a semente....vai que caia em algum solo fértil?rsrsrs

Guedes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Guedes disse...

Prezada Áurea,

Certa vez, meu filho perguntou-me se eu sabia onde encontrar a estória do jovem que caminhava pela praia devolvendo ao mar as estrelas-do-mar que a maré havia levado para a areia. Ao responder-lhe que a encontraria no meu blog, ele e a namorada deram dois belos sorrisos.

Ou seja, segundo o seu comentário, comprovadamente, por duas vezes este blog fez a alegria de quem nele encontrou uma estória pela qual procurava, há algum tempo, não é mesmo?

Respondendo ao seu agradecimento por eu ter postado a estória que você procurava há anos (por não saber que há cinco anos ela fora postada neste blog) para poder compartilhá-la, agradeço-lhe por ter comentado.

Portanto, compartilhe-a. Sim, é sempre bom semear coisas que prestem, pois como diz você... "vai que cai em algum solo fértil. Rsrsrs" Aliás, essa estória de semear e de solo fértil é outra muito boa, não é mesmo?

Em tempo: a história que meu filho procurava está na postagem "A história do Lançador de Estrelas" publicada em 27 de janeiro de 2012.

OBS.: O comentário anterior foi removido por mim por ter ficado com um pequeno erro.

Abraços,
Guedes

Áurea disse...

Verdade.conheço essa estória.sabe.ei não tenho estudo.fiz até a sexta série da admissão.mas gosto muito de ler.tenho sede em compreender a vida.é gosto de compartilhar o que me faz bem.eu li um livro a muitos anos atrás"o Castelo do Ego"é um livro infantil que fala que o ego não é pra ser destruído e sim transformado.é que nem a bondade,nem a verdade,foi suficiente pra tranforma-lo....so a dor e quando ele estaca quebrantado.o amor o carregou nos braços....Muito lindo....obrigada por ter esse blog e por ter tão gentilmente me respondido.desejo tudo que existe de melhor pra vc é toda sua família!

Áurea disse...

Desculpe os erros de português....a pressa em compartilhar.tentei corrigir.mas não soube como...

Guedes disse...

Prezada Áurea,

"Mais vale o que se aprende que o que te ensinam", é uma afirmação de Alex Periscinoto (1925 - ....), (referência na propaganda brasileira), a qual recorro para comentar sua afirmação de que "não tem estudo, pois só estudou até a sexta série". Afirmação que você complementa dizendo: "... mas gosto muito de ler, tenho sede de compreender a vida, gosto de compartilhar o que me faz bem.".

Ou seja, será que o que você aprende ao exercitar os seus gostos (de ler e de compartilhar o que lhe faz bem) e a sua sede (de compreender a vida) não vale mais que muitas coisas que te ensinariam nas escolas que você não teve oportunidade de frequentar? Será que o que você faz não pode ser considerado estudo? Um estudo por conta própria? Um estudo que a possibilitará tornar-se uma pessoa cada vez melhor? Afinal, de que adianta ter estudo se dele não resultar a transformação em uma pessoa melhor? Em uma pessoa que seja capaz de cooperar na construção de um mundo melhor.

O que você diz sobre o que aprendeu ao ler o livro "No Castelo do Ego" é interessantíssimo. "Muito lindo..."

Retribuo a você e a sua família tudo o que deseja a mim e a minha família.

Abraços,
Guedes

Guedes disse...

Prezada Áurea,

Sobre o seu pedido de desculpas quanto aos erros de português, reproduzo aqui algo dito na primeira postagem deste blog.

Solicito que perdoem possíveis erros de português que poderão ocorrer em função de três motivos citados abaixo. Se errar é humano perdoar também deveria ser, pois, inclusive, melhora o convívio. Os motivos são os seguintes:

1. A origem do autor faz com que qualquer erro por ele cometido seja um erro de português;

2. Se o idioma usado é o português, qualquer erro cometido será um erro de português;

3. O autor não foi um brilhante aluno de português e, talvez por isto, não tenha seguido uma carreira da área de letras, mas optado pela área de números.

Portanto, peço-lhes que não se preocupem muito com esses erros. Não façam como aquelas pessoas que assistem a um filme procurando erros de produção e acabam por perder a ideia do roteiro. Curtam a ideia do filme, digo do texto, pois creio que apesar dos erros por desventura existentes, conseguirei lhes passar a mensagem que desejo.

Ou seja, mais importante do que possíveis erros de português é a lucidez das ideias que compartilhamos por intermédio das coisas que escrevemos.

Abraços,
Guedes

Áurea disse...

Obrigada.ontem depois de ler vários textos no seu blog.vi que tinha como seguir e quando cliquei.senti uma grande alegria em ver que minha neta de 21 anos.também te segue.não comentei ontem.porque fiquei com vergonha.JÁ tinha falado demais pro meu tamanho.mais uma vez.hoje estou lendo um livro muito bom"codependencia nunca mais".(Melody Beatty"Obrigada por seus comentários

Guedes disse...

Prezada Áurea,

Tomara que tanto você quanto sua neta continuem encontrando neste blog, cuja intenção é "Espalhar ideias que ajudem a interpretar a vida e provoquem ações para torná-la cada vez melhor", postagens que as agradem.

Tomara, também, que você sinta-se à vontade para continuar comentando as postagens que lhe despertem vontade de fazê-lo.

Abraços,
Guedes