terça-feira, 13 de agosto de 2013

Pais ensinam que pessoas estão à venda

Mudando o país de referência, porém sem mudar completamente de assunto, após focalizar o american way of action, este blog focaliza o modo de ação brasileiro usado na educação (sic) dos filhos. E o faz por meio de um texto de Rosely Sayão publicado na edição de 15 de maio de 2003 do jornal Folha de S.Paulo, no caderno equilíbrio. Sim, o texto tem 10 anos, mas, infelizmente, inclui-se entre aqueles que, excluindo as referências tecnológicas, mantém-se, assustadoramente, atual. Dez anos se passaram, o caderno equilíbrio foi transformado em apenas uma coluna publicada em outro caderno, a evolução tecnológica tornou obsoletas algumas coisas citadas no texto, mas, infelizmente, as ações equivocadas citadas por Rosely Sayão são cada vez mais desastrosas.
Pais ensinam que pessoas estão à venda
A mãe de um adolescente convida o filho para ir ao cinema. Ele tem outros planos e resiste. A mãe, que quer muito a companhia dele, saca então uma estratégia poderosa para tentar convencê-lo: "Vamos, que depois passamos no shopping e compro o CD que você quer". Ele reage bem à altura da proposta da mãe e responde que topa só que, em vez de um CD, quer cinco. Ela desistiu de "comprar" a presença do filho porque estava ficando caro demais.
Os pais usam muito esse recurso de propor presentes ou dinheiro em troca de um comportamento desejado, de um esforço necessário ou do controle de uma vontade imperiosa. Conheço uma mãe que, sem saber mais o que fazer para tentar acalmar os ânimos dos filhos que brigavam constantemente entre si, propôs pagar pela paz. A cada dia sem brigas, cada um deles embolsava R$ 10. Um pai, na tentativa de estimular o bom desempenho escolar do filho que estava a caminho do vestibular, não teve dúvidas: fez com o filho um contrato. A cada nota acima de 7, ganharia uma determinada quantia de dinheiro pago em dólar, para ser mais promissor; em compensação, a cada nota abaixo do limite estabelecido, era o filho quem pagava ao pai. E muitos pais prometem a viagem tão desejada pelo filho ou um outro mimo qualquer desde - é claro - que o rendimento escolar no ano seja bom.
Se a atitude funciona, ou seja, se a finalidade perseguida pelos pais é alcançada, qual o problema em usar esse tipo de recurso, que parece tão inofensivo, a não ser para o bolso? Muitos, muitos são os problemas que decorrem dessa barganha usada na educação, dessa transação comercial, chamemos assim. E o primeiro é que raramente funciona. Mas o pior é que, mesmo não funcionando, os pais insistem. Por que será?
Porque vivemos na era do consumo e os pais fazem parte dessa cultura, mesmo quando não a aprovam. Consumimos objetos materiais, consumimos educação, cultura, arte, lazer, medicina, beleza etc. Assim, não parece nada estranho usar o mesmo conceito em busca da educação do filho: já que está bem difícil impor aos filhos a obediência, os pais tentam comprá-la. O problema maior é que, nesse tipo de atitude, pessoas são confundidas com objetos. Quem é comprado aprende a comprar, quem é transformado em objeto de consumo aprende a dar mais valor à relação com os objetos do que a relação com as pessoas. Desse modo, crianças e jovens passam a achar que tudo - ou melhor, todos - está à venda. Querem alguns exemplos?
Uma professora de ensino médio entrou para dar sua aula, por sinal a última do período. Os alunos estavam muito mais a fim de ir embora do que assistir à aula e deixaram isso bem claro à professora. Como ela não desistiu, eles decidiram dar um fim ao problema do jeito que consideraram o melhor para ambas as partes: arrecadaram uma quantia em dinheiro - o equivalente ao pagamento de uma hora / aula - e deram a ela. Assim, disseram eles, ela podia ir embora sem ter prejuízo nenhum. Uma amiga, que é educadora, estava fazendo suas compras em um supermercado em horário de intenso movimento. As filas nos caixas estavam enormes, e ela esperava sua vez. Logo atrás dela, um grupo de jovens de mais ou menos 18 ou 19 anos logo encontrou uma saída para acabar com a espera: ofereceram a ela R$ 2 para passarem na frente.
É bem mais fácil espantar-se e indignar-se com essas atitudes quando elas são praticadas por jovens, não é mesmo? Mas elas foram aprendidas e repetem as dos adultos; apenas são aplicadas aos interesses típicos deles.
Claro que a educação dos pais não vai livrar os filhos dessa importância que o consumo tem nos dias de hoje. Mas também já basta toda a estimulação que há. Os pais bem que podem dar uma educação mais crítica nesse sentido, mas, para tanto, é preciso ser coerente e não tentar transformar comportamentos do filho em objetos de compra e venda.
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Será que, embora tenha sido publicado há dez anos, vale a pena refletir sobre o texto de Rosely Sayão? Para mim, que o republiquei no blog, parece-me óbvio que a resposta seja sim. E vocês, o que acham?

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