segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A ecologia da compaixão

E para encerrar bem a sequência focalizando a compaixão, segue uma história que dificilmente deixará de tocar os corações daqueles (as) providos (as) de um mínimo de sensibilidade. Onde a encontrei? Na edição de 16 de maio de 2003 da extinta revista JB Ecológico, publicada pelo Jornal do Brasil.
A ecologia da compaixão
Uma história tibetana de cura, através do vento que sopra pelas flores
Lee Paton
Há vários anos, em Seattle, no Estado de Washington (EUA), vivia um refugiado tibetano de 52 anos de idade. "Tenzin", é como vou chamá-lo, foi diagnosticado como portador de uma forma de linfoma (câncer) das mais fáceis de curar. Ele foi internado em um hospital e recebeu a primeira dose de quimioterapia. Mas durante o tratamento, este homem normalmente gentil tornou-se agressivo e irritado. Arrancou a agulha intravenosa de seu braço e negou-se a cooperar. Gritou com as enfermeiras e discutiu com todos ao seu redor. Os médicos e enfermeiros ficaram desconcertados. Depois, a esposa de Tenzin falou com o pessoal do hospital. Ela contou que Tenzin foi um prisioneiro político dos chineses por 17 anos. Eles mataram sua primeira esposa e o torturaram brutalizando-o durante todo o tempo em que esteve preso.
As normas e regulamentos do hospital, juntamente com a quimioterapia, fizeram Tenzin recordar todo o sofrimento que passou nas mãos dos chineses. "Eu sei que vocês querem ajudá-lo," ela disse, "mas ele se sente torturado pelo tratamento. Vocês fazem com que ele sinta ódio internamente, da mesma maneira que os chineses o fizeram sentir. Ele prefere morrer do que viver com o ódio que sente novamente. Segundo nossas crenças, é muito ruim ter tamanho ódio no coração na hora da morte. Tenzin precisa estar apto para rezar e limpar seu coração.".
Assim, o médico dispensou Tenzin e recomendou uma equipe da clínica de repouso para visitá-lo em casa. Eu era a enfermeira encarregada de cuidar dele e entrei em contato com um representante da "Anistia Internacional" para pedir-lhe conselhos. Ele me disse que a única forma de sanar o trauma da tortura era "falar a respeito". "Essa pessoa perdeu sua confiança na humanidade e sente que a esperança é impossível.".
Mas quando eu encorajei Tenzin a falar sobre suas experiências, ele ergueu suas mãos e me fez parar. E disse: "Preciso aprender a amar de novo se eu quiser curar minha alma. Sua tarefa não é fazer perguntas. Sua tarefa é me ensinar a amar novamente.".
Respirei profundamente e devolvi-lhe a pergunta: "E como eu posso fazê-lo amar de novo?". Tenzin respondeu prontamente: "Sente-se, tome meu chá e coma meus biscoitos.".
O chá tibetano é um chá preto forte, coberto com manteiga de iaque e sal. Não é fácil de bebê-lo! Mas, foi o que eu fiz.
Por várias semanas, Tenzin, sua mulher e eu nos sentamos juntos e tomamos chá. Nós também conversamos com os médicos para achar formas de tratar suas dores físicas. Mas era sua dor espiritual que deveria ser diminuída. Cada vez que eu chegava, via Tenzin sentado de pernas cruzadas em sua cama, recitando preces de seus livros. Com o passar do tempo, sua mulher foi pendurando mais e mais 'thankas', bandeirolas budistas coloridas, nas paredes.
Em pouco tempo, o quarto parecia um colorido templo religioso. Na chegada da primavera, eu perguntei o que os tibetanos faziam quando estavam doentes nesta estação. Ele abriu um grande sorriso e disse: "Nós nos sentamos e aspiramos o vento que sopra pelas flores.". Eu pensei que ele estava falando poeticamente, mas suas palavras eram literais.
Ele explicou que os tibetanos fazem isso para serem pulverizados com o pólen das novas floradas, carregadas pela brisa. Eles acreditam que esse pólen é um potente medicamento.
No primeiro momento, achar muitas floradas parecia um pouco difícil. Mas, um amigo sugeriu que Tenzin visitasse algumas floriculturas locais. Eu liguei para o gerente de uma floricultura e expliquei-lhe a situação.
Sua reação inicial foi "Você quer o quê???". Mas quando eu expliquei melhor o meu pedido, ele concordou.
Então, no final de semana seguinte, eu busquei Tenzin, sua esposa e suas provisões para a tarde: chá preto, manteiga, sal, xícaras, biscoitos, almofadas e livros de preces. Eu os deixei na floricultura e combinei de pegá-los às 17 horas. No outro final de semana, visitamos uma outra floricultura. E mais outra no terceiro fim de semana.
Na quarta semana, eu comecei a receber convites das floriculturas para Tenzin e sua mulher voltarem novamente. Um dos gerentes disse: "Nós temos uma nova remessa de nicotianas e lindas fuchsias. Ah, sim! E temos belas dafnias. Eu sei que eles vão adorar o perfume das dafnias! E eu quase me esqueci! Temos uns novos bancos de jardim que Tenzin e sua esposa vão adorar!".
No mesmo dia, outra floricultura ligou dizendo que eles tinham recebido birutas coloridas para Tenzin saber de que direção o vento estava soprando. Logo, as floriculturas estavam competindo pelas visitas de Tenzin. As pessoas começaram a se importar com o casal tibetano. Os empregados arrumavam os móveis de frente para o vento. Outros traziam água quente para o chá. Alguns fregueses regulares deixavam seus carrinhos de compras próximos do casal. E no final do verão, Tenzin voltou ao seu médico para novos exames e determinar o desenvolvimento da doença. Mas o doutor não achou nenhuma evidência de câncer. Ele estava abobalhado. Disse à Tenzin que simplesmente não sabia explicar aquilo.
Tenzin levantou seu dedo e disse: "Eu sei porque o câncer se foi. Ele não podia mais viver num corpo tão cheio de amor. Quando eu comecei a sentir compaixão das pessoas da clínica, dos empregados das floriculturas, e de todas essas pessoas que queriam saber de mim, eu comecei a mudar por dentro. Agora, eu me sinto afortunado por ter a oportunidade de ser curado dessa forma. Doutor, por favor, não acredite que a sua medicina é a única cura. Às vezes, a compaixão também pode curar um câncer.
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Uma história tocante encerrada com um parágrafo instigante. "Doutor, por favor, não acredite que a sua medicina é a única cura", pede Tenzin. E com tal pedido me faz lembrar uma passagem inesquecível de um livro extraordinário intitulado A Conspiração Aquariana, de autoria de Marilyn Ferguson, reproduzida nos três parágrafos a seguir.
Um pungente relato de um cirurgião-ensaísta descreveu o médico do Dalai Lama percorrendo um hospital americano. O médico tibetano fez um diagnóstico através do pulso de um paciente:
"Durante a meia hora que se seguiu, ele permaneceu assim, suspenso acima do paciente, como um exótico pássaro dourado com suas asas dobradas, mantendo o pulso da mulher sob seus dedos e tendo a mão dela na sua. Toda a força do homem parecia ter-se concentrado nesse objetivo... Só sei que eu, que tomei mais de 100.000 pulsos, nunca verdadeiramente senti um que fosse."
O tibetano, diz o ensaísta, diagnosticou com precisão um tipo de perturbação cardíaca congênita, com base apenas no pulso do paciente.
Coincidentemente, assim como o doente estranhamente curado, o médico que estranhamente diagnostica com precisão é um tibetano. Será que dá para concordar que não existe uma única medicina? Será que métodos que nos parecem estranhos podem ser até mais naturais do que os que conhecemos? O que vocês acham?
"Quando eu comecei a sentir compaixão das pessoas da clínica, dos empregados das floriculturas, e de todas essas pessoas que queriam saber de mim, eu comecei a mudar por dentro.", diz Tenzin. E ao mudar por dentro, "o câncer se foi, pois, não podia mais viver num corpo tão cheio de amor". Mudar por dentro, eis a explicação - não percebida pelo doutor - para a cura de Tenzin. Mudar por dentro, eis a receita para cada um de nós "aprender a amar novamente" e amando contribuir para tornar esta sociedade algo "tão cheio de amor" que os "cânceres" por desventura nela existentes desistam de nela permanecerem. All you need is love, diz uma belíssima canção. Mudança interna, eis a solução!

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