sexta-feira, 24 de março de 2017

'A criança não quer pais perfeitos, ele quer pais que estejam presentes' (final)

Continuação de segunda-feira
'Não era filme de 1ª infância. Era sobre a humanidade'
Você entrevista, no filme, pessoas de diversos países, culturas e classes sociais. O que de universal você encontrou?
Fui buscar um recorte universal dos relacionamentos humanos. Estamos todos no mesmo barco e isso ficou muito claro. Falamos com um pai viúvo – que mora na maior favela da África -, com um chinês de classe média e com Gisele Bündchen. E fizemos a mesma pergunta: "O que você quer para seus filhos?" E eles querem a mesma coisa. A Gisele, por exemplo, diz que quer ouvi-los. E a mesma resposta tivemos de uma mãe que tem 13 filhos e vive num ambiente marcado pela violência. Ficou claro que o recorte do filme não é um recorte geográfico, e sim de sentimentos, de relacionamentos humanos, que nos unem.
Isso foi o mais revelador?
O que foi mais revelador foi entender, no decorrer do processo, que esse filme pode ter uma importância grande. Um dos desafios que me propus foi pegar o conhecimento de especialistas renomados que entrevistamos e juntá-lo com o cotidiano de todo mundo. E o filme se tornou uma ferramenta de empoderamento para os pais. Porque mostra que a criança não precisa de brinquedos caros e experiências caras. O que ela precisa é de algo mais acessível. Quem já viu uma criança fazer suas descobertas encontrou ali o extraordinário. É só você conseguir estar presente, mesmo cansada. A criança aceita o seu cansaço. Ela não quer os pais perfeitos, mas presentes.
No trailer tem uma fala do prêmio Nobel James Heckman, sobre como o amor é uma parte importante para a economia e pouco valorizada na sociedade.
Acho que esse conceito ficou muito na casa do poeta viajante, do hippie... Mas se há uma coisa que faz o mundo girar é o amor. Só que não o colocamos no centro de tudo. Precisamos que um Nobel de Economia nos diga para crer. Mas, tudo bem. Ele está falando e espero que isso seja importante para líderes de empresas, políticos, para quem pode fazer mudanças em um escopo maior.
Você citou as crianças que não recebem amor nesse período da vida. O que descobriu?
Tem uma área grande, a da epigenética, que diz que toda criança nasce com o potencial de ser afetuosa, mas, se não for amada pelos pais, quando for mãe ou pai também não vai saber amar o filho. Então, é intergeracional.
Cria-se uma linha sucessória de não amores?
Exatamente. Você perde a capacidade de amar. É claro que somos resilientes, aprendemos, evoluímos, mas os períodos de formação são os que cimentam a nossa personalidade. Então é complexo. Mas o filme traz a mensagem de que se você melhora, tem a capacidade de transformar a humanidade. As crianças têm a potência de uma humanidade dentro delas, são os elementos que estão contando essa história, não a gente.
O que vemos no mundo são grandes demonstrações de radicalização e intolerância.
É verdade. Existem grupos de extremistas que premiam a morte. E, de repente, estamos falando de pais, crianças, e de todo mundo que quer dar para as crianças vontade de vida.
E como fazer isso?
Valorizando a ética, a moral, a beleza, cuidado, criatividade, liberdade, amor, afeto, chão, abraço... São esses os valores a construir... E a partir deles é que temos de construir uma sociedade. Não através de pessimismo, mas a partir de otimismo.
Já se discute a questão de gênero na infância também.
Sim. Acho que é na infância que nasce o machismo. Se você tem não uma licença parental para o homem, é como se essa presença não fosse importante para o bebê. O pai que cuida do filho e exerce a empatia no relacionamento com ele, com certeza será um homem diferente. Não é só o bebê que ganha, o pai também. A sociedade ganha. E o pai que participa valoriza muito mais a função materna também. Mostramos no filme que, muitas vezes, a função materna não precisa ser necessariamente exercida pela mãe. E muitas vezes não é.
Qual o próximo projeto?
Nenhum assunto me é tão visceral, depois desse, como as mudanças climáticas.
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Será que a entrevista da diretora de O Começo da Vida é capaz de começar a provocar reflexões?

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