quinta-feira, 30 de março de 2017

Reflexões provocadas por "A criança não quer pais perfeitos, ela quer pais que estejam presentes"

"A vida é uma caixinha de surpresas.", diz Joseph Climber. Uma caixinha que se abriu para a cineasta Estela Renner durante suas pesquisas para a produção do documentário O Começo da Vida. "Convidada para dirigir um filme sobre a primeira infância, Estela viajou e entrevistou pessoas de nove países, incluindo gente comum e celebridades. Dessa diversidade extraiu lições sobre o peso do amor, das relações em família". Lições proporcionadas pela abertura da caixinha de surpresas e que a levaram a "dar-se conta de que não estava fazendo um filme "sobre primeira infância", mas "sobre um projeto de humanidade".
E das surpresas saídas da caixinha uma que impressionou demais a cineasta foi "Uma constatação que se repetia: a maior revolução da neurociência, da pedagogia, da psiquiatria, é que a criança é formada não só a partir da sua carga genética, mas também a partir das relações que ela tem com o meio ambiente." E ao ouvir "todos aqueles especialistas falarem de ambiente e interações, o que ficou claro para Estela é que eles estavam falando de amor."
Especialistas falando de amor e surpreendendo não só a cineasta que os entrevistou, mas também a repórter que entrevistou a cineasta. "No trailer tem uma fala do prêmio Nobel James Heckman, sobre como o amor é uma parte importante para a economia e pouco valorizada na sociedade.", diz Marília Neustein. Segue outra fala do Nobel de Economia apresentada no documentário.
"Nos Estados Unidos fizemos um estudo que mostra o benefício de um dólar investido nos primeiros anos na vida de uma criança. Quais são os efeitos em termos de redução de crimes, na redução de custos de encarceramento. Descobrimos que para cada dólar investido retornavam por volta de sete dólares. A margem de rendimento é basicamente quanto se ganha por ano para cada dólar investido. Uma caderneta de poupança pode ganhar três, quatro, cinco por cento ao ano. O que descobrimos foi algo entre sete e dez por cento, de rendimento ao ano, o que é um rendimento muito alto, bem mais do que a nossa bolsa de valores. É dar às pessoas a capacidade de serem autônomas, de lidarem com os desafios da vida, ao mesmo tempo tornando-as mais produtivas e assim reduzindo a desigualdade social."
Dá para discordar da afirmação de que "O amor é uma parte importante para a economia e pouco valorizada na sociedade"? "Se há uma coisa que faz o mundo girar é o amor. Só que não o colocamos no centro de tudo. Precisamos que um Nobel de Economia nos diga para crer.", afirma a cineasta. Será que, a partir do que nos diz o Nobel de Economia, passaremos a crer – pergunto eu.
"Você citou as crianças que não recebem amor nesse período da vida" – diz a repórter à cineasta, antecedendo a seguinte indagação: "O que descobriu?"
"Tem uma área grande, a da epigenética, que diz que toda criança nasce com o potencial de ser afetuosa, mas, se não for amada pelos pais, quando for mãe ou pai também não vai saber amar o filho. Então, é intergeracional." – responde a cineasta, provocando na repórter a seguinte pergunta: "Cria-se uma linha sucessória de não amores?"
Pergunta que a cineasta respondeu assim:
"Exatamente. Você perde a capacidade de amar. É claro que somos resilientes, aprendemos, evoluímos, mas os períodos de formação são os que cimentam a nossa personalidade. Então é complexo. Mas o filme traz a mensagem de que se você melhora, tem a capacidade de transformar a humanidade. As crianças têm a potência de uma humanidade dentro delas, são os elementos que estão contando essa história, não a gente."
"Mas o filme traz a mensagem de que se você melhora, tem a capacidade de transformar a humanidade. As crianças têm a potência de uma humanidade dentro delas, são os elementos que estão contando essa história, não a gente.", diz a cineasta.
Sendo assim, o que é que nos resta fazer para transformar a humanidade? O que é que nos resta fazer para transformar a humanidade em algo onde as grandes demonstrações de radicalização e intolerância, citadas pela repórter no final da entrevista, deixem de assolar esta insana sociedade em que sobrevivemos? E para responder a estes questionamentos eu uso aqui à resposta dada pela cineasta à penúltima pergunta que lhe foi feita:
"Valorizar a ética, a moral, a beleza, cuidado, criatividade, liberdade, amor, afeto, chão, abraço... São esses os valores a construir... E a partir deles é que temos de construir uma sociedade.".
Sim, são esses os valores a partir dos quais temos de construir uma sociedade que faça jus ao termo. Valores que precisam ser construídos desde o começo da vida de todas as crianças que cheguem a este mundo. Afinal, será que faz sentido falar em sociedade sem que todos os indivíduos nela presentes sejam tratados como sócios? Será que tratar todos como sócios implica em os pais precisarem estar presentes na vida dos filhos? Com estas indagações eu encerro estas reflexões. E para encerrar a série de postagens provocadas pelo documentário O Começo da Vida, a próxima apresentará algumas de suas passagens que considero marcantes.

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