quarta-feira, 31 de maio de 2017

Reflexões provocadas por "Construindo o bairro dos sonhos"

Assim como nos filmes, o que me mais me interessa nos textos são as passagens das quais seja possível tirar ensinamentos aplicáveis à prática da cooperação para tornar melhor o todo do qual sou parte. Afinal, como digo em meu perfil no blog, "sou alguém que acredita que a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes". Feito este preâmbulo, vejamos duas passagens da reportagem de Giovana Girardi que, sendo capazes de provocar reflexões que resultem em ensinamentos, foram por mim selecionadas para a elaboração desta postagem.
"No começo era só um sonho. O 'bairro dos sonhos'. (...) 'Havia uma dificuldade em sonhar', lembra a administradora Cecília Lotufo, dona de uma pizzaria no bairro e uma das idealizadoras da mobilização. Mas com o passar do tempo, o simples fato de os moradores se unirem no processo de construção da festa possibilitou que eles começassem a enxergar o que era possível mudar no bairro. Com as próprias mãos ou por meio de solicitações ao poder público."
"No começo era só um sonho.", diz a repórter Giovana Girardi. - E poderia ter sido diferente? - pergunto eu. Não, creio que não, pois tudo começa sempre com um sonho... e prossegue com ações capazes de torná-lo realidade. "A realidade de hoje, foi o sonho de ontem; o sonho de hoje, será a realidade de amanhã; e em todas as épocas zombou-se dos sonhadores.", eis uma afirmação de Zalkind Piatigorsky com a qual concordo plenamente.
Será que ao dizer que "em todas as épocas zombou-se dos sonhadores" Zalkind Piatigorsky explica a dificuldade apontada pela administradora Cecília Lotufo quando ela diz que "Havia uma dificuldade em sonhar". Creio que sim. Receosos de terem que enfrentar possíveis zombarias, e até mesmo serem chamados de loucos por aqueles que afirmam que determinadas coisas jamais mudarão, a maioria das pessoas talvez acabe tendo dificuldade em sonhar.
Coincidentemente, na tarde de ontem, ou seja, no período dos retoques finais desta postagem, encontrei na internet uma matéria que, no meu entender, eu não deveria deixar de citar nesta postagem. Intitulada A incrível história do brasileiro chamado de louco pelos vizinhos por plantar a própria floresta. (http://g1.globo.com/natureza/noticia/a-incrivel-historia-do-brasileiro-chamado-de-louco-pelos-vizinhos-por-plantar-a-propria-floresta.ghtml), em sua chamada ela é apresentada assim: SP: idoso planta 50 mil árvores sozinho e recupera floresta.
Tornar um sonho realidade é algo que requer muita disposição para enfrentar inúmeras, e que embora, como no exemplo acima, possa ser obra de apenas uma pessoa, na enorme maioria das vezes, é algo que requer a participação de todos, como diz Miguel de Cervantes em uma de suas célebres frases: "O sonho de um é apenas um sonho. O sonho de todos é a realidade.".
Uma frase que, no meu entender, explica muito bem as palavras com que Cecília Lotufo dá prosseguimento à sua menção sobre "a dificuldade em sonhar": "Mas com o passar do tempo, o simples fato de os moradores se unirem no processo de construção da festa possibilitou que eles começassem a enxergar o que era possível mudar no bairro.". Vocês conseguem enxergar, nas palavras de Cecília, a transformação do "sonho de um" em "sonho de todos"?
Transformar o "sonho de um" em "sonho de todos", eis o caminho que está sendo seguido pelos moradores das Vilas citadas na reportagem de Giovana Girardi para construir o seu bairro dos sonhos. Que está sendo, e que precisará continuar sendo permanentemente seguido, pois, como diz a arquiteta Lara Freitas, especialista em ecobairros, "O mais importante é entender que ecobairro não é um projeto, mas um processo sem fim. É um programa permanente".
E ao falar em "o que é mais importante entender", Lara Freitas oferece-me a possibilidade de usar suas palavras para elaborar a seguinte paráfrase: "O mais importante é entender que qualquer coisa oriunda de sonhos (bairro, cidade, país, sociedade, civilização etc) não é um projeto, mas um processo sem fim. É um programa permanente". Entendido isto, passemos ao segundo parágrafo extraído da reportagem.
"Por ser um corredor de ônibus, era um atrativo para o adensamento. 'É um corredor, mas é também uma área de proteção ambiental. Pensamos num zoneamento especial para blindar as nascentes', diz Cecília. 'Esse olhar atento que busca o contexto da microbacia é uma premissa para o ecobairro, mas deveria fazer parte de todo zoneamento', explica a arquiteta Lara Freitas, especialista em ecobairros que se uniu ao grupo inicialmente como consultora e hoje faz parte dos trabalhos."
'Esse olhar atento que busca o contexto da microbacia é uma premissa para o ecobairro, mas deveria fazer parte de todo zoneamento', explica a arquiteta Lara Freitas em mais uma de suas interessantíssimas intervenções citadas na reportagem. "Esse olhar atento que busca o contexto"! Vocês concordam que, sem "Esse olhar atento que busca o contexto", as "soluções" que damos aos nossos problemas dificilmente deixam de resultar em novos problemas gerados por elas; pelas "soluções"?
Por considerar que ter "Esse olhar atento que busca o contexto" seja algo imprescindível para, realmente, solucionar qualquer problema que tenhamos diante de nós, com a intenção de despertar-lhes o interesse por esse olhar, segue uma história na qual, no meu entender, foi ele que propiciou a solução do "persistente" problema.
"Era uma vez um mercador de tapetes que viu que seu mais belo tapete tinha um calombo no centro. Ele pisou no calombo a fim de achatá-lo – e conseguiu. Mas o calombo reapareceu em outro lugar. O mercador pisou-o mais uma vez, e o calombo desapareceu – apenas por um momento, pois logo reapareceu em outro lugar. O mercador continuou a pular sobre o tapete, pisoteando-o com raiva, até que finalmente levantou a ponta do tapete e viu uma cobra sair debaixo dele."
Vocês concordam que foi ao levantar o tapete para olhar o que estava debaixo dele que o mercador, finalmente, usou "o olhar atento que busca o contexto" em vez do olhar "superficial" que usara até então?
"Olhar superficialmente" os problemas em vez de olhá-los com "o olhar atento que busca o contexto", eis um dos grandes equívocos da autodenominada espécie inteligente do universo. Equívoco do qual resultam várias consequências desagradáveis, dentre elas a seguinte: "Os problemas de hoje provêm das 'soluções' de ontem.". A sexta postagem deste blog, publicada em 16 de fevereiro de 2011, com o título Consequências do desconhecimento do raciocínio sistêmico tem tudo a ver com o que acabo de dizer.
E para terminar estas reflexões deixo aqui a seguinte indagação. Será que assim como a solução de um problema identificado em cima do tapete só foi possível após olhar debaixo do tapete, analogamente, a solução de todo e qualquer problema identificado fora de nós só é possível após olharmos para dentro de nós? O que vocês acham?

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