sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Reflexões provocadas por "Crianças não são o futuro. São o presente"

Iniciando estas reflexões seguem dois parágrafos gerados por concatenação de ideias da designer indiana Kiran Sethi expressas em diferentes respostas apresentadas na reportagem-entrevista espalhada pela postagem anterior. Os grifos são meus.
"O movimento ('Design for Change') acredita fortemente que crianças não são o futuro e que precisamos dizer a elas que são o presente, que podem fazer do mundo um lugar melhor hoje mesmo.", pois (...) "Quando conseguimos estabelecer a mentalidade da capacidade de transformação desde a infância, as pessoas passam a se preparar desde cedo para viver em um mundo melhor, e não para prepará-lo no futuro.".
"Não estamos pedindo a essas crianças que mudem o mundo, mas que mudem os seus mundos. E em todo tipo de situação, qualquer que seja, as crianças têm a capacidade de olhar além e atuar como agentes de mudanças efetivas.", pois (...) "Toda criança possui as duas ferramentas mais poderosas e necessárias à mudança: um coração, que acredita, observa e se inspira; e uma mente, capaz de imaginar. Esse é o ponto de partida, e esses dois ingredientes existem em todo ser humano. Se estimulamos continuamente essa ideia, ela se torna a mentalidade dominante (...).
"Será que é possível concordar que "crianças não são o futuro, e sim o presente"? O presente no qual – se estimuladas – elas poderão "passar a se preparar desde cedo para viver em um mundo melhor, e não para prepará-lo no futuro". O presente no qual – se estimuladas – elas poderão "mudar os seus mundos" para melhor, pois, como diz Kiran, "Toda criança possui as duas ferramentas mais poderosas e necessárias à mudança: um coração, que acredita, observa e se inspira; e uma mente, capaz de imaginar."
Diante da afirmação de Kiran de que "toda criança pode e deve mudar o mundo à sua volta", a repórter pergunta "o que é necessário para isso, especialmente em países de grande desigualdade social, onde muitas sequer têm acesso à educação formal", e dela recebe a seguinte resposta:
"As histórias de mudança mais poderosas que chegam até nós vêm de pequenas vilas indianas. Uma criança que ensinou a mãe, então analfabeta, a ler e escrever, por exemplo. Sempre repito: não é preciso nada especial. Ninguém precisa de treinamento ou diploma para acreditar em algo. Todo mundo nasce com essa capacidade. (...) Não precisa de tecnologia, aparelhos luxuosos, smartphones, manuais... O problema é justamente acharmos que precisamos de um monte de coisas para fazer a educação acontecer."
Sim, "O problema é justamente acharmos que precisamos de um monte de coisas para fazer acontecer" não só a educação como qualquer outra coisa que preste. Sim, "Ninguém precisa de treinamento ou diploma para acreditar em algo" que preste. Aliás, lamentavelmente, na maioria das vezes, um diploma torna-se até mesmo um empecilho para acreditar em algo que preste. Será que é possível concordar que a "história da criança que ensinou a mãe, então analfabeta, a ler e escrever" serve como validação das ideias de Kiran expressas no parágrafo anterior?
Perguntada sobre como aplicar os princípios por ela defendidos em realidades socioeconômicas e culturais tão distintas, Kiran respondeu assim:
"Não oferecemos conteúdo, mas, sim, contexto. Os mesmos quatro passos estimulados na nossa unidade em Ahmedabad, na Índia, podem ser aplicados em qualquer lugar do mundo. O que o programa pede, em primeiro lugar, é que você tenha um coração e sinta. Qualquer criança é capaz disso. Também pede que você use a imaginação. E, depois, que se coloque em ação. O quarto passo é que você seja um contador de histórias. Repito: toda criança, de qualquer país, pode fazer isso. Não dizemos o que cada comunidade precisa mudar, mas afirmamos que qualquer criança pode apontar o que a incomoda. Por isso, o projeto tem sido tão bem sucedido em viajar para tantos países."
Por "não oferecer conteúdo, mas, sim, contexto", diferentemente do que ocorre no teatro corporativo com algo denominado "as melhores práticas", o modelo criado por Kiran Sethi possibilita que "Os mesmos quatro passos estimulados na unidade em Ahmedabad (A Riverside School), na Índia, possam ser aplicados, - com êxito-, em qualquer lugar do mundo. (...) Com base em quatro pilares – sinta, imagine, faça, compartilhe -, o modelo incentiva alunos a perceber o que lhes incomoda, criar soluções para o problema, agir e, então, dividir a história para que outras pessoas sejam contagiadas pela noção do 'eu posso'".
"Na maioria das escolas é assim: os alunos se tornam um número ou uma vareta ambulante na sala de aula.", diz Kiran Sethi na reportagem-entrevista publicada na edição de 10 de setembro de 2017 do jornal O Globo sob o título 'Crianças não são o futuro. São o presente'. "Nesse modelo, a concepção é apenas uma: os pais pagam e os alunos vão receber o conhecimento", diz Kiran em uma reportagem intitulada Crianças como agentes de transformação de suas comunidades publicada na edição de 23 de setembro de 2017 do mesmo jornal. Ou seja, na maioria das escolas é assim: há os que têm permissão para transmitir conhecimento – os adultos -, e os que têm permissão apenas para receber – as crianças.
Transmitir e receber conhecimento! Será que faz sentido dividir a humanidade em um grupo que vem a esta dimensão para ensinar e um que vem apenas para aprender ou será que ensinar e aprender são duas funções para as quais todos são aptos e, portanto, a todos compete desempenharem em sua passagem por esta dimensão? Intitulada Um aprendizado casual, a postagem de 31 de julho de 2017 pode ajudá-los a refletir sobre a indagação feita na frase anterior.
"Toda criança possui as duas ferramentas mais poderosas e necessárias à mudança: um coração, que acredita, observa e se inspira; e uma mente, capaz de imaginar.", diz Kiran Sethi. "Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. Pena que sejam poucas as que se lembram disso.", diz Antoine de Saint-Exupéry, o autor de O Pequeno Príncipe. Se o mundo tem solução, é através da criança diz o título da postagem publicada neste blog em 28 de agosto de 2015.
Considerando o que é dito no parágrafo anterior, será que faz sentido afirmar que, se o mundo tem solução, ela passa pela recuperação da memória das pessoas grandes e pelo espaço dado às crianças para que possam colocar em prática "as duas ferramentas mais poderosas e necessárias à mudança: um coração, que acredita, observa e se inspira; e uma mente, capaz de imaginar."? Será que vale a pena espalhar as ideias de Kiran Sethi? O que vocês acham? Esforçar-se para conseguir lembrar de que já foi criança influirá bastante nas respostas a tais indagações, compreendido?

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