terça-feira, 12 de abril de 2016

Apto para destruir

Após uma postagem intitulada All you need is love, segue uma intitulada Apto para destruir. Por que escolhi essa passagem do livro Vencendo a competição (Winning through Cooperation), de autoria do Dr. Terry Orlick, para suceder All you need is love? Porque, no meu entender, ela apresenta um exemplo extremo dos efeitos decorrentes de falta de amor e de uma consequente sobra de ódio.
Apto para destruir
"Eu sabia que era certo, porque me senti bem quando estava fazendo aquilo", disse Susan Atkins, um dos membros da Família Manson ao justificar o horrível assassinato de sete pessoas. Ao descrever sua participação no assassinato de Sharon Tate, uma talentosa atriz, que estava grávida de oito meses na época, disse Susan Atkins: "Eu só a apunhalei e ela caiu; então eu a apunhalei novamente. Não sei quantas vezes fiz isso... Sharon suplicou pela vida do seu bebê, e eu mandei que calasse a boca. Não queria ouvir aquilo". Quando indagada a respeito dos seus sentimentos para com suas vítimas, Susan respondeu: "Eu não conhecia nenhuma delas. Como poderia sentir qualquer coisa se não conhecia ninguém? Nem pareciam pessoas... Eu não pensava em Sharon Stone como outra coisa que não fosse um manequim de loja... Sua voz parecia sair de uma máquina IBM... Ela continuava pedindo e suplicando, pedindo e suplicando, eu fiquei enjoada de ouvi-la e por isso a apunhalei".
Nenhum dos participantes desse massacre cruel e sem sentido expressou qualquer sentimento de culpa ou responsabilidade, nem demonstrou a mínima simpatia para com suas vítimas inocentes. Eis um exemplo clássico da filosofia "cada um por si", totalmente fora de controle.
Só podemos "cuidar dos nossos próprios interesses" construtivamente se formos socializados para nos sentirmos bem com eventos de cunho humanístico. Esse certamente não foi o caso da Família Manson. Eles tinham individualmente uma história precoce de alienação e rejeição. Faltaram-lhe na vida experiências de calorosa cooperação humana e compaixão. Seus modelos eram violentos. Eram frutos de uma sociedade que os criou de uma maneira distorcida, e mais tarde se voltaram contra ela, para destruí-la. Estavam no mínimo, incrivelmente aptos para destruir.
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Apto para destruir é uma daquelas coisas que li e jamais esqueci, principalmente pela extraordinária lição trazida no último de seus três parágrafos.
"Eles tinham individualmente uma história precoce de alienação e rejeição. Faltaram-lhe na vida experiências de calorosa cooperação humana e compaixão. Seus modelos eram violentos. Eram frutos de uma sociedade que os criou de uma maneira distorcida, e mais tarde se voltaram contra ela, para destruí-la. Estavam no mínimo, incrivelmente aptos para destruir."
"Faltaram-lhe na vida experiências de calorosa cooperação humana e compaixão. Seus modelos eram violentos." Será que é válido afirmar que faltaram-lhe também experiências de amor e sobraram-lhe de ódio? No meu entender, sim.
"Eram frutos de uma sociedade que os criou de uma maneira distorcida, e mais tarde se voltaram contra ela". Frutos de uma sociedade repleta de adeptos da "filosofia 'cada um por si', totalmente fora de controle". E ao ler "totalmente fora de controle" lembro o seguinte vaticínio feito, em fevereiro de 1942, por Alberto Pasqualini, que foi senador da República e que dá nome a uma refinaria da Petrobras: "O analfabetismo, a falta de ocupação, a vida difícil e a miséria poderão criar uma grave situação de insegurança que evoluiria para uma criminalidade irreprimível".
"Uma grave situação de insegurança que evoluiria para uma criminalidade irreprimível"! Passados setenta e quatro anos, vocês concordam que o vaticínio de Pasqualini tornou-se realidade há alguns anos? E que embora tenha sido feito para o Brasil, o vaticínio seria válido para outros países?
Interessante! Sucedendo uma postagem inspirada por uma canção – All you need is love – esta me faz lembrar de outra canção. Ao ler "Eram frutos de uma sociedade que os criou de uma maneira distorcida, e mais tarde se voltaram contra ela, para destruí-la.", imediatamente lembrei um trecho de outra bela canção. Uma cuja letra já foi por mim usada em várias postagens, pois inalterada ou mesmo alterando alguma palavra, ela se presta a fornecer vários trechos capazes de proporcionar muitos ensinamentos. O parágrafo abaixo apresenta um trecho que trocada uma palavra, considero perfeito para ser usado nesta postagem. A canção? Será, da Legião Urbana.
"Nos perderemos entre monstros da nossa própria criação
Serão noites inteiras
Talvez por medo da escuridão
Ficaremos acordados
Imaginando alguma solução
Pra que esse nosso egoísmo
Não destrua nosso planetão, digo, coração"
Monstros da nossa própria criação! Monstros criados com o assentimento de todos os que compõem a sociedade, conforme poeticamente nos adverte Gibran Khalil Gibran em uma passagem intitulada "Então, um dos juízes da cidade acercou-se e disse: 'Fala-nos do crime e do castigo'.", extraída de seu maravilhoso livro O Profeta.
"E da mesma forma que nenhuma folha amarelece senão com o silencioso assentimento da árvore inteira,
Assim o malfeitor não pode praticar seus delitos sem a secreta concordância de todos vós."
Monstros da nossa própria criação! Monstros criados por um tipo de sociedade sobre o qual, no ano 1516, Thomas Morus fazia o seguinte questionamento: "Por que consentir que os cidadãos se eduquem pessimamente e que seus costumes se vão corrompendo pouco a pouco desde seus mais tenros anos para castigá-los quando, já homens, cometerem delitos que se faziam esperar desde sua infância, que outra coisa é senão criar ladrões para depois castigá-los." Será que exatos cinco séculos depois tal questionamento ainda faz sentido? O que vocês acham?
"Eram frutos de uma sociedade que os criou de uma maneira distorcida, e mais tarde se voltaram contra ela, para destruí-la." Para destruir uma sociedade na qual um jovem delinquente, à sombra da penitenciária, se vê no direito de escrever uma carta contendo uma espécie de exame de consciência para os "homens honestos" do mundo. Uma carta que vale a pena ler, caso o desenvolvimento de seres aptos a construir algo que faça jus ao termo sociedade, esteja entre as coisas que ainda se almeje. Se quiser lê-la clique aqui.

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